Ela nasceu tão pequenina que se espremia na palma da mão. O mundo era todo um perigo, e todo o cuidado era pouco, posto que era um cristal precioso e estava a meu cargo. Como Deus pode confiar algo tão precioso assim às minhas mãos? Certamente eu a quebraria. Tinha medo de olhar para ela. Mas olhei. E me apaixonei, era inevitável.
E fiz coisas terríveis e dolorosas. Ela, com seus imensos olhos escuros de cílios compridos, falava baixinho, desesperada: "Não me deixe aqui, mamãezinha, por favor!" E eu ia embora, desalmada, deixando-a na escolinha. Um dia após o outro. E recebia de presente, papéis com mãozinhas pintadas, caroços de milho colados e desenhos de giz de cera. Foram passando verões e invernos até à difícil fase da adolescência quando se pensa que é grande mas falta a experiência da gente grande. E tudo o que ela queria era ser amada. A falta da experiência não lhe permitia enxergar que era absolutamente impossível não amá-la, porque era adorável, cheirava a flores e coloria os momentos mais simples desde sempre, somente com seu sorriso.
E eu pensava que, se houvesse um espelho da alma, eu me perderia olhando para ele. E descobri que os há, sim. Chamam-se filhos. Não são todos, mas alguns, e apenas alguns privilegiados pais são agraciados com filhos assim, que são os espelhos das suas almas. E eu me perco olhando para o espelho da minh'alma. E hoje, vos apresento a todos. Nasceu há 24 anos, é intensa, ama cores e luxo, ama o branco e o simples. Não espera que a vida aconteça e nasceu para brilhar. Ela é o meu espelho, só que mais bem polido.
Verónica Vidal
À minha filha Camila, uma versão melhorada de mim mesma, com todo o meu amor.