quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Mariana Acende o Sol

Mariana. Atriz, 7 anos, lisboeta.

Saltitava por entre os mundos a fim de descobrir como se apaga o Sol, pois sua Rosa logo se tornaria velha com o passar do tempo. E o tempo era impiedoso. Ah, sim, Mariana encenava a peça "Como é que se apaga o Sol?" baseada no livro de Antoine Exupery "O Principezinho" (O Pequeno Príncipe, no Brasil).


Mariana é uma doce menina cheia de energia e que, do alto dos seus 7 anos, consegue nos abraçar com uma risadinha nervosinha. Tagarela e inteligente, é filha única numa casa com pai, mãe, avô, tio, e tia a rodeá-la de carinhos e colinhos e miminhos, além dos muitos e muitos cala-a-boca-Mariana, fica-quieta-Mariana e venha-cá-Mariana. O fato é que ela enfeita a vida daqueles como um quadro à parede nua.

E saímos nós, daqui da aldeia, bem munidos e apetrechados de batatas e cebolas e alhos e bugalhos, para visitar o primo da cidade, a pretexto de assistir a peça de teatro. Levávamos ainda o genro e a filha, com o neto ainda empacotadinho na barriga.e, se não fossem as auto estradas e o carro luxuoso, seríamos a família Buscapé sem tirar nem por.

Uma vez sentada na sala de Teatro da Academia de Santo Amaro, e ver o pai da Mariana a posicionar-se em lugar estratégico para fotografar a arte da cria, era impossível não reviver os momentos das apresentações das minhas filhas no CEJOP. Era impossível não planejar mil e uma coisas para o neto que está para nascer.

E a Raposa diz: "Tu te tornas eternamente responsável por aquele que cativas". Ora, Mariana, sendo assim, és responsável por mim. Acendeste-me o sol.

Verónica Vidal

Para a Mariana, a menina que pode fazer quase todas as coisas do mundo, e até fora do mundo, como acender o Sol, por exemplo.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

E Foi Assim Que Eu Me Apaixonei Pelo Valter Hugo Mãe

Minha mãe tinha uma grande estante na sala e uma coleção de livros do A.J.Cronin. Acho que eram umas 12 encadernações, já não lembro bem, algumas com mais do que um livro. Lembro que muitas vezes era minha tarefa tirar o pó da estante e eu acabei por me interessar em ler alguns dos livros. Eu devia ter uns 10 ou 11 anos e não era leitura exatamente apropriada para a minha idade, mas foi por aí que eu abandonei o Monteiro Lobato e comecei a sonhar com romances. Mamãe era sócia do Círculo dos Livros e sempre tinha um livro novo lá em casa, e assim, passeamos pelos mistérios de Agatha Christie, misturados à coleção Vaga-lume que era obrigatório ler para a escola . Com a chegada da adolescência, devorei tudo o que havia de Sidney Sheldon até perceber que todas as suas heroínas tinham seios redondos e duros e seus homens membros entumescidos. Abandonei-o sem dó nem piedade e senti-me ludibriada, até ler Lolita. Li-o porque havia um filme qualquer e alguém me tinha dito que era proibido. É de Vladimir Nabokov, um sujeito russo que escrevia diferente dos outros. Escrevia na primeira pessoa. Escrevia coisas de pessoas de verdade, pessoas que não eram incrivelmente belas nem tinham iates nem nada. Aliás, nem preciso falar de Lolita, muita gente já disse tudo, mas na época eu não sabia nada. Comecei então a desenhar os meus gostos e preferências por livros, apesar de ainda ler - como ainda hoje, até rótulos e bulas de remédio.

Numa bela manhã de sol, eu abri "Cem Anos de Solidão". Talvez não fosse manhã e talvez não estivesse fazendo sol, mas achei que ia ficar bonito colocar assim. Li "Cem Anos de Solidão" e morei na Macondo durante todo o tempo em que estive agarrada ao livro. E assim apaixonei-me irremediavelmente por Gabriel Garcia Marquez, enquanto muitas mulheres tietavam Wando e Roberto Carlos, eu amava secretamente o meu Garcia. Li muita coisa que ele publicou, não vale a pena estar aqui a fazer listinhas, mas é fato que eu o amava. Talvez ainda o ame. Fantasiei que Isabel Allende o roubaria de mim, porque eu também gostava dela e, se eu gostava dela, ele poderia gostar também e casar-se com ela em grandes festas. Amar escritores não tem uma lógica, pois eles não têm rostos e muitas vezes nem estão mais vivos. Mas amamos na mesma, do mesmo jeito que se ama o Justin Bieber. Pois é, cada um com a sua doidice.

Não vejo novelas. Não que eu não goste, mas tenho dificuldade em acompanhá-las, então, perco a história. Não me interesso muito por televisão, portanto, meu tempo livre é para ler. O livro é como o meu game boy: levo-o para a fila do banco e para tudo que é tipo de espera. É prático e não requer pilhas. Nos últimos tempos, só tem sido preciso um acessório: óculos.

Vi na net uma entrevista com um escritor português que havia ido à FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty). A chamada era qualquer coisa como: "Escritor português conquista o Brasil". Cliquei, vi a entrevista, achei de uma doçura sem tamanho. Uns dias mais tarde uma amiga comentou sobre ele e mais uns dias perguntei na livraria sobre seu último livro. Li. Terminei hoje. Apaixonei-me por ele. Nunca pensei que, depois de tantos Kafka, Eça, Jorge Amado, Saramago... ninguém me havia roubado o coração como o Gabriel Garcia Marquez. E o Valter Hugo Mãe o fez. Li "O filho de mil homens". E é tão doce e tão suave, que dá vontade de levá-lo ao colo e beijá-lo. E eu chorei como o homem maricas do livro. Porque ele falava coisas de gente grande com um jeito tão doce, quase infantil até, que nos faz pensar, porque não somos todos assim? É, eu também acho que muita gente adoece de doenças graves por falta de leitura. 

Verónica Vidal

Ao Valter Hugo Mãe, que não me conhece nem nunca ouviu falar em mim, mas que me fez chorar e rir e chorar e rir. Por favor, não case com a Isabel Allende.


 

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A Bailarina da Caixinha de Música

Sempre amei ser mulher. Não sou dessas mulheres que pensam que teriam sido mais felizes ou teriam tido mais sorte na vida se tivessem nascido homem, ou que se sintam diminuídas pela sociedade simplesmente por não terem um pênis. Ao contrário, preciso lutar contra a minha constante tendência ao sentimento de superioridade feminino. Muitas vezes preciso frear pensamentos imbecis, do tipo: O homem foi feito primeiro portanto, a mulher foi o aperfeiçoamento de um projeto; mulheres são mais inteligentes, mais sensíveis; mulheres geram vida, pode-se clonar a ovelha Dolly mas nunca o carneiro Zé, e coisas do tipo. Não. Somos iguais, somos todos humanos.

Quando engravidei da minha primeira filha, eu ainda vivia num mundo de faz de conta. Não fui dessas mães que muito corretamente planejam o futuro dos seus filhos e fazem poupanças e preparam quartinhos com antecedência. Cor de rosa e com Pôneis para meninas. Azul para meninos, com arco-íris e o Pequeno Príncipe estampado na parede. Eu bem queria que tivesse sido assim, mas não funcionou desse jeito e aos 17 anos eu tinha minha filha nos braços. O que me valeu é que ela era mesmo linda, doce e com uma personalidade que combinava perfeitamente com o nome que escolhemos: Lívia. Era calma, plácida, tranquila. Lívia é a líder da minha trupe de meninas. Venho de uma linhagem altamente feminina. Na minha casa, somos 3 irmãs. Nada mais lógico que Deus me concedesse a mim, uma inexperiente mãe adolescente, uma menina. Eu gerei 3 meninas. Minha irmã gerou 2 meninas. E por enquanto cá estamos, uma família de mulheres.

Lívia cresceu entre babados cor-de-rosa e amando coisas de menina. Amou seu bonequinho Feijãozinho, a quem chamava de "filo", e que um dia foi sequestrado da varanda. Sofreu horrores pelo seu "filo". Dançou jazz na escola, cantou em grupo musical na igreja. Apaixonou-se perdidamente, mas não se perdia muito, pois nasceu para ser a bailarina da caixinha de música. Encanta a todos, com doce música e graça, mas precisa da segurança da caixinha e conhece bem os limites até onde pode dançar. Mas é mulher, e sabe o que quer. Não ouse oferecer a ela menos do que ela espera, ou quem ficará esperando será você. Sempre.


Para a minha filha Lívia, que é o resumo da graça feminina, sem contudo, perder a força.

Verónica Vidal

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Verônica e Seus Amores Confessos


Apaixonei-me aos seis anos de idade por um rapaz chamado Jorge Manuel, recém chegado de Moçambique, que tinha ido estudar da minha classe, lá na Escola Municpal Pedro Lessa. Dos meus amores de criança, essa foi a mais duradoura paixão. Durou quase dois anos, não sei como nem por que acabou, mas provavelmente devido à distância forçada pelas férias escolares. Sabe, o que os olhos não vêem, o coração não sente, e assim, apaixonei-me por outro e outro e outro.

Lá pela quinta série, contava eu meus onze anos, curti várias secretas paixões. Uma menina de onze anos não se declara nem confessa suas paixões, isso é regra. Apenas as melhores amigas sabem, e juram segredo até à morte. Ou até brigarem, e a confidência muitas vezes é utilizada como forma de vingança entre elas. Escrevemos nos cadernos de perguntas as respostas mais vagas possíveis - Um pequeno parêntese para os menores de 40 anos, que não têm a menor idéia do que é um caderno de perguntas:
  • Em cada folha, a dona do caderno escreve uma pergunta, entrega às amigas e elas respondem (às vezes é extensivo a meninos)
  • Exemplo de perguntas: Qual é o seu nome? , Qual é o nome do(a) garoto(a) que você gosta? ...
E assim, eu me apaixonei pelo Anérito. Confessei isso há uns anos atrás, num encontro de ex-colegas de turma. Ele se esqueceu e eu confessei de novo num e-mail esta semana. Eu estava então no ginásio, em escola nova e, com tanta carne nova no pedaço, era natural que as paixões durassem menos tempo, afinal, a oferta era maior. Pouco tempo depois, descobri os rapazes da oitava série. Não tenho espaço suficiente aqui para contar, mas devo ter me apaixonado por uns 5 ou 6. Saí da escola na sétima série, amando o Domingos, que amava a Emília, que não amava ninguém.

Na oitava série, fui estudar no colégio Martins, em Vila Isabel. Segui o clichê de me apaixonar por professores. Sendo mulher de paixões que sou, apaixonei-me logo por três, num só ano: Pelo de Matemática, porque era o mais jovem, pelo de Educação Física, por motivos óbvios e pelo de Geometria, que devia ter mais de 40, uma barriguinha, uma barba, mas era muito simpático e eu adorava suas aulas. 

Cheguei ao primeiro ano do segundo grau na ENCE, ainda vacilando entre as platônicas paixões por docentes - impossível não ser apaixonada pelo Profº Sena - e os reais amores de adolescência. Wagner foi meu primeiro real amor de adolescência. Uma mistura de amigo e vontade-de-não-ir-embora. Eu tinha então uns 15 anos e teria sim, confessado o amor na época, mas acho que tinha medo de perder o amigo, ou, não sei, talvez não tivesse ainda desgarrado a meninice.

As coisas de menina foram ficando para trás e foram dando lugar a flertes, paqueras, conquistas, namoros, casamentos, divórcios, até à tranquilidade conquistada pela maturidade. Mas ainda tenho saudades de fazer corações com flechas atravessadas. Não posso fazer o tempo voltar, mas posso confessar as minhas paixões. Se você é homem e me conheceu, provavelmente eu fui apaixonada por você em alguma época da minha vida. I loved you.

Verónica Vidal - mulher de paixões

sábado, 18 de junho de 2011

Espelhos da Alma

Ela nasceu tão pequenina que se espremia na palma da mão. O mundo era todo um perigo, e todo o cuidado era pouco, posto que era um cristal precioso e estava a meu cargo. Como Deus pode confiar algo tão precioso assim às minhas mãos? Certamente eu a quebraria. Tinha medo de olhar para ela. Mas olhei. E me apaixonei, era inevitável.

E fiz coisas terríveis e dolorosas. Ela, com seus imensos olhos escuros de cílios compridos, falava baixinho, desesperada: "Não me deixe aqui, mamãezinha, por favor!" E eu ia embora, desalmada, deixando-a na escolinha. Um dia após o outro. E recebia de presente, papéis com mãozinhas pintadas, caroços de milho colados e desenhos de giz de cera. Foram passando verões e invernos até à difícil fase da adolescência quando se pensa que é grande mas falta a experiência da gente grande. E tudo o que ela queria era ser amada. A falta da experiência não lhe permitia enxergar que era absolutamente impossível não amá-la, porque era adorável, cheirava a flores e coloria os momentos mais simples desde sempre, somente com seu sorriso. 

 E eu pensava que, se houvesse um espelho da alma, eu me perderia olhando para ele. E descobri que os há, sim. Chamam-se filhos. Não são todos, mas alguns, e apenas alguns privilegiados pais são agraciados com filhos assim, que são os espelhos das suas almas. E eu me perco olhando para o espelho da minh'alma. E hoje, vos apresento a todos. Nasceu há 24 anos, é intensa, ama cores e luxo, ama o branco e o simples. Não espera que a vida aconteça e nasceu para brilhar. Ela é o meu espelho, só que mais bem polido.

Verónica Vidal

À minha filha Camila, uma versão melhorada de mim mesma, com todo o meu amor.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Viajando com Estrelas

E a minha tia menina apareceu por aqui com ares de Alice, como quem corria atrás do coelho. Embrenhou-se por jardins e castelos, veio viver aventuras tão sonhadas que pensava mesmo que ia ficar só no sonho. Mas acontece que a gente lê Monteiro Lobato e descobre que a Narizinho realmente foi ao Reino das Águas Claras. Quando pequenos, temos a certeza de que Pedrinho viveu todas as aventuras descritas. Mas é que a gente cresce e simplesmente esquece que as aventuras acontecem também conosco. E assim foi. Minha tia menina colocou seu saquinho de purpurina e estrelinhas na bagagem e veio atrás do coelho. Trouxe a Raquel, desenhadora de mil desenhos, para o caso emergencial de um olho de gato que se pudesse fazer necessário ou simplesmente para brincar de bonequinha de papel com ela, caso os dias se fizessem monótonos e os carnavais por estas bandas não fossem tão coloridos.

E foi assim, com um pó de pirlimpimpim, que ela viajou pelo mundo e pelo tempo, recebeu coroa de flores para celebrar a festa de outras épocas e garantir que a sorte não saísse de sua cabeça - como se possível fora! O que não sabia, aquele pobre aldeão medieval, é que ela já havia nascido predestinada à sorte e que as muralhas dos castelos não serviriam para protegê-la e muito menos para prendê-la.Como Polegarzinha da família, ela viaja na casca da noz e deixa-nos a nós boquiabertos com seus feitos. Sem espada em punho mas de coração desembainhado, luta sem trégua até à vitória certa. E assim constrói a sua própria sorte e ornamenta com flores perfumadas a sua cabeça e com a indelével tinta da doçura vai desenhando sua história nos nossos corações.

Eu, que muitas vezes segui seus passos, percebi que era ela quem seguia os meus até olhar mais de perto e notar que, neste caleidoscópio que é a vida, ela nem seguia nem guiava, mas trilhava por estradas já desbravadas e por outras tantas picadas ainda por abrir. 

Do jeitinho que chegou se foi, dizendo um até logo como se fosse dobrar a esquina. Levou com ela sua amiga artista das artes, fazendo-me então ainda mais órfã dos risos, das alegrias e das músicas que por estas bandas não passam. E lá se foram as duas, encher de colorido e estrelinhas o Velho Mundo. Tenho certeza de que, depois delas, ele ficará um bocadinho mais novo.

Verónica Vidal 

À Licinha - que estranhamente já nasceu tia e que mais estranhamente ainda continuou menina - e à Marise, que nos proporcionaram momentos mágicos no curtinho período que estiveram conosco. Amo muito tudo isso - e ainda fiquei com a paçoca diet!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Minha Trepadeira não Trepa

Somos enganadas a torto e a direito por aí. Não, não vou falar em orgasmos múltiplos – embora devesse, mas minha tendência a um certo inconformismo exagerado nessa matéria iria colocar por terra os anseios das mais jovenzinhas. Falo mesmo é das coisas do dia a dia, coisas que compramos ou que nos são impingidas goela abaixo e que tomamos por verdades as mentiras mais cabeludas. Hããã… quando foi que eu me dei conta disso? Sempre! Quando foi que eu resolvi explodir? Quando uma amiga postou num site de relacionamentos que comprava aquelas borrachas metade azul metade vermelha, achando que a metade azul apagava tinta de caneta. Eu também. Passei a minha infância toda achando que eu era a única incompetente que não sabia apagar com aquela famigerada borracha.
É claro que também já comprei produtos do “ligue djá” que nunca funcionaram, praticamente todos destinados a transformar meu corpinho rotundo de baleia em sinuosas curvas de sereia em poucos minutos, mas isso a gente já sabe que não vai funcionar mesmo antes de comprar. Compramos apenas para alimentar a depressão e assim o mercado gira, e blá blá bla, mas deixa isso pra lá.
Agora, já adulta e pensando que nunca mais seria enganada, não é que me deparo com outra? Há dois anos atrás comprei uma trepadeira. Uma planta. Me disseram que o nome era buganvília e que era de fácil cultivo, precisando só de água, que podia ser plantada num vaso grande e que florescia, etc. e tal. Enfim, era o meu sonho de consumo para a varanda. Faria a minha felicidade visual e seria o meu orgulho como dona de casa. Só que… minha trepadeira não trepa! Estagnou. Recusa-se terminantemente a subir pelas canas que finquei no vaso. Não se enrola no pergolado da varanda e muito menos se multiplica pela treliça afora. É tímida, não trepa! Será que existe um complô entre jardineiros e sexólogos? Tá certo, a plantinha está lá, tímida, viva, verdinha, mas eu esperava uma frondosa e vasta chuva de flores cor-de-rosa. O que é que o sexólogo tem a ver com isso? Eram eles - mais especificamente ela, do programa de TV matutino, destinado às mulheres, depois do quadro de jardinagem (que me meteu o raio da buganvília na cabeça) - que me faziam esperar ansiosamente pela maturidade balzaca, pela liberdade da tão falada idade da loba. E  por onde andam os orgasmos múltiplos e a vida sexual tempestuosa que me prometiam após os quarenta? Talvez o ar livre continue sendo a melhor opção, tanto para mim quanto para a minha plantinha. O único pequeno detalhe é que, neste caso, apenas buganvílias não vão presas por atentado ao pudor.

Verónica Vidal - Eu disse que não falaria em orgasmos múltiplos, mas sou muito mentirosa. Não tanto quanto jardineiros e sexólogos.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Não Me Canso Mesmo

Tem uma música que Roberto Carlos canta que diz assim:

Não me canso de falar que te amo,
E que ninguém vai tirar você de mim…”

Até podem dizer que vira e mexe eu falo da minha avó, que talvez eu fale mais nela do que nas minhas filhas, mas quem assim fala é porque não a conhece, ou pelo menos não a conhece de verdade, como eu, como alguns privilegiados pela vida.

Para vocês que por cá estão e que não podem ir lá conhecê-la, vou tentar dar uma discreta ideia do que é essa moça vivida chamada Dona Alice:

Ela tem, não apenas um país, mas um mundo de maravilhas. Estar com ela é ter a certeza de que a vida vale a pena, é saber que o sol existe para beijar as águas da praia de Iguaba, que o inverno nunca chegou e que cada cajuzinho merece a sua metade de amendoim torrado no topo. Ela sempre chega na sua casa na hora certa, naquela hora em que você levaria uma palmada e, magicamente, sua mãe esquece da palmada porque os poderes da Dona Alice são inegáveis. Eu vi isso, ninguém me contou.

Tive muitas roupas costuradas pela minha mãe, mas muitas outras costuradas pela minha avó. Roupas com gancho. “Domingo vamos na sua avó porque ela me vai cortar estes ganchos”, dizia a minha mãe. Portanto, imagino que roupas com gancho devam ser coisas muito especiais. As minhas eram. Eram ganchos mágicos, misturados com passeios, onde íamos enfiadas num fusca verde e acabávamos na casa da minha avó mágica, invariavelmente com um bolo, um biscoito, uma laranjada ou um Ki-Suco. E entre os tais cortes de roupas e moldes, íamos para o meio da vila onde o homem do pirulito chupetinha girava sua tramela. A parte ruim é que chegava a noite, e íamos embora.

Um dia cresci. E já grande, com filho e tudo, fui para a casa da minha avó. É interessante como a casa da minha avó nos transforma em pequenos de novo logo quando entramos nela. E sentamos no chão, e vimos fotos de quando eu era pequena de tamanho. Minha avó já não mais costura os ganchos das minhas roupas nem prepara Ki-Suco para mim, mas continua a ter o poder de me fazer sentir aconchegada, certa de que não vou levar palmada da vida, porque ao lado dela a vida vale a pena ser vivida, ao lado dela meu cajuzinho terá sempre uma metade de amendoim torrado no topo.

E é por isso vó, que eu não me canso de falar que te amo, e que ninguém vai tirar você de mim.

Beijos,

Verónica

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Beijos no Espelho

Já fui romântica, tipo suspiros no travesseiro. Já beijei meu próprio braço, imaginando o meu amado. Tá certo que, naquela época, o amado era substituído semanalmente, mas lá no fundinho era sempre o mesmo. Mudava de rosto, mudava de cor, mas a alma era a mesma. Já beijei o espelho – sem batom, é claro. Isso é coisa de filme, na minha casa era sentença de morte ditada pela Dona Lina. Já fiz de conta que eu era a mocinha do filme.

Hoje sou bem mais prática. Já não beijo o espelho – até porque sou eu quem o limpa! Mas leio Neruda e me proíbo não demonstrar amor, não criar a minha história e não viver a minha vida como se fosse o último suspiro. Um dia, eu acertarei em cheio mesmo! Já não beijo o meu próprio braço, porque o amado já lá está. É a mesma alma, que amei desde a infância, embora os rostos de antes tenham se fundido numa só face hoje.

Já não o quero para mim a todo o custo, porque meu já é. O amor é meu, ninguém mo pode tirar. A serenidade e a paz que o amor traz são erroneamente confundidas com o fim da paixão. O amor não é o resquício da paixão, ele nasceu amor e, ao contrário da outra, não esmorece com o tempo. Antes cresce, cimenta admiração, concretiza pontes de ligação eterna. E este amor tão pouco versado nos contos e poemas, é aquele que quase se pode apalpar, que pontilha a vida de cuidados, que busca a lenha para me aquecer, no frio sibérico que faz por estas terras. Nas coisas mais corriqueiras do dia, mora o amor. E vive ainda no desejo sem pressa, na leveza do riso, na companhia calada.

E, na lista que fiz com o nome dos homens que eu amei, risquei cada um, e escrevi o teu por cima. Só hoje entendo que amei sempre e sempre o mesmo. Amei o amor. E não é que te tenha encontrado, mas sim, que te tenha reconhecido.

Verónica Vidal


**Ao meu marido, cujo amor que tem por mim, faz-me amá-lo cada dia mais.


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Chore um Rio

Eu queria não escrever a respeito da tragédia que se abateu sobre a região serrana do Rio de Janeiro. Mas não consigo. A sensação de impotência não reside apenas nas bocas escancaradas diante das imagens veiculadas na televisão, dos corpos emergindo da terra lamacenta, sendo apresentados aos seus amigos e parentes para reconhecimento, mas nas caras de desespero ante a perda de absolutamente tudo, na desesperança de quem já viu cenas como essas, testemunhos como aqueles, ano após ano, em Angra dos Reis, no Morro do Estado e no morro do Bumba em Niterói. Isso apenas para recordar o último ano. Quantas vidas ainda mais terão que ser sacrificadas para que o país acorde? Quantas famílias que perderam suas casas no morro do Bumba, no verão de 2010 ainda estão em abrigos?

Por aqui há quem compare as cheias da Austrália com a tragédia do estado do Rio de Janeiro. Só quem nunca esteve num ou noutro canto pode fazer tal comparação. O que vemos no Rio é o resultado de um descaso total, de um descaso com a vida humana, com a natureza, com os valores sociais mais básicos. A permissividade do poder público, a apatia de um povo esmagado cada vez mais pela impotência ignorante que assola o país. Temos vendido a imagem de um país rico, próspero, olimpíadas, festas, mundial de futebol. E de repente a enxurrada lava a nossa cara enfeitada de verde e amarelo e nos faz deparar com o lamaçal do descaso público. Tristes e envergonhados, lançamos mão da solidariedade, mandamos dinheiro, água, pão, nossos braços e nossas lágrimas. Dobramos nossos joelhos e oramos, pedimos cura e paz. Não ressuscitaremos mortos. Não temos o poder para parar as chuvas. Mas temos o poder de impedir a inércia das autoridades, que não investem no mapeamento das regiões suscetíveis a deslizamentos e principalmente, não retiram moradores das regiões de risco. Sim, antes de retirarem defuntos. Temos o poder de cobrar.

Verónica Vidal

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Eu não Falo a Língua dos Anjos

Meus cachinhos dourados encantavam a quem passava. Impossível não parar, não mexer, não brincar comigo. Era fofa. Tinha aquele amor incondicional que só os bebês têm. E distribuía sorrisos sem seleção. Eu queria um colinho.

"Fui pá sacola tudá". Foi a minha primeira expressão de vínculo social e responsabilidade. Fui para a escola estudar. Mas dormia. Porque naquele momento estudar não era prioritário. Dormir sim. E desde sempre eu soube a que era importante na vida. Importante era o colinho.

E cresci por uma adolescência revoltada por tudo e por nada. O mundo estava de mal comigo, meu sapato não combinava com o meu vestido. Lá além da esquina era pura explosão de sonhos, e tudo o que eu queria era viver a promessa do sonho. Queria ter pernas compridas para caminhar mais rápido. Queria ter braços enormes para abraçar o mundo. Minha casa era a prisão. Eu era maior do que eu mesma, meu corpo era alienígena. A inquietude e o desespero se instalavam com tentáculos cada vez mais poderosos. Tomei decisões. Arrependi-me das decisões. Voltei atrás. Perdi o caminho. Procurava o colo.

Fechei a porta da revolta, abri a janela da vida. Botei o pé na estrada para conhecer outros mundos e voltei para casa. Porque hoje minha casa é o meu refúgio, o meu castelo. Começo agora a arar a terra para semear futuro. O trabalho das minhas mãos determinará se meu campo terá flores. Tento dizer a mim mesma que certamente dará flores e frutos. Caminho vacilante, sinto mãos que ainda me apoiam. Estou aprendendo a andar. De vez em quando, quero colo.

Tenho 20 anos. Eu não falo a língua dos anjos. Mas tenho muito amor, e é isso o que vale.

Verónica Vidal

À minha filha Thaissa que, com toda a sua inquietude, faz chover amor.

sábado, 1 de janeiro de 2011

O Ano do Lobo Mau

Hoje é o primeiro dia do ano. Ainda estou na minha preguiça social, onde todo lugar bom é o lugar onde eu não estou. 2011 é ano de crise. Fala-se da crise como se ela fosse um personagem, o lobo mau da história. Crescemos em tamanho mas continuamos crianças no coração, na cabeça, nas atitudes. Não pensávamos em crise quando decidimos comprar o LCD em 24 vezes nas Casas Bahia. Também não se falava na crise quando entramos no financiamento do apartamento novo, lindo, um charme, uma pechincha, e que levava 60% do salário meu junto com o do meu marido. Para aprovação do crédito, papai foi meu fiador. Claro, se não fizermos assim, não teremos nada nunca! Aquela história de guardar moedas no cofrinho, ensinada pela minha mãe, e esperar juntar até ter dinheiro suficiente para comprar o disco novo, a bijoux da loja? Não, isso é coisa de criança. Hoje, eu cresci e faço um financiamento bancário. E se eu perder o emprego? Se eu me separar do meu marido? Se tivermos alguma doença? Se nascer um filho? Não, isso depois se vê. Afinal, ainda me pode sair o Euromilhões. E vem a crise. O lobo mau, para atrapalhar os planos da Chapeuzinho Vermelho que queria pegar o atalho para a casa da vovó.

E lá vamos nós, consumidores de cores embevecidos pelo emocionante brilho dos shopping centers, passar o cartão de crédito que nos dá 40 dias sem juros para pagar. Precisamos de um vestido novo para a virada de ano. Um vestido branco, que nos traga paz. Uma calcinha amarela, que nos traga dinheiro e lá uma coisa vermelha ou cor de rosa, pois amor e paixão nesta vida são essenciais. Queria mesmo poder comprá-los numa loja a pagar em 40 dias.

O que eu faço com um mundo que deixou de ser meu? Como dizer para o meu coração que sou mulher sem raízes, e que no lugar onde eu estiver, ali será o meu reino? Não tem como. Meu coração é surdo e teimoso. Teima em sentir saudades de casa, saudades de mim. Teima em me dizer que o eu hoje é um eu fingido, um eu inventado, como a planta que mudamos de lugar e reclama, amarelando as folhas e negando flores mas ainda assim, é uma planta.

Verónica Vidal