sábado, 18 de junho de 2011

Espelhos da Alma

Ela nasceu tão pequenina que se espremia na palma da mão. O mundo era todo um perigo, e todo o cuidado era pouco, posto que era um cristal precioso e estava a meu cargo. Como Deus pode confiar algo tão precioso assim às minhas mãos? Certamente eu a quebraria. Tinha medo de olhar para ela. Mas olhei. E me apaixonei, era inevitável.

E fiz coisas terríveis e dolorosas. Ela, com seus imensos olhos escuros de cílios compridos, falava baixinho, desesperada: "Não me deixe aqui, mamãezinha, por favor!" E eu ia embora, desalmada, deixando-a na escolinha. Um dia após o outro. E recebia de presente, papéis com mãozinhas pintadas, caroços de milho colados e desenhos de giz de cera. Foram passando verões e invernos até à difícil fase da adolescência quando se pensa que é grande mas falta a experiência da gente grande. E tudo o que ela queria era ser amada. A falta da experiência não lhe permitia enxergar que era absolutamente impossível não amá-la, porque era adorável, cheirava a flores e coloria os momentos mais simples desde sempre, somente com seu sorriso. 

 E eu pensava que, se houvesse um espelho da alma, eu me perderia olhando para ele. E descobri que os há, sim. Chamam-se filhos. Não são todos, mas alguns, e apenas alguns privilegiados pais são agraciados com filhos assim, que são os espelhos das suas almas. E eu me perco olhando para o espelho da minh'alma. E hoje, vos apresento a todos. Nasceu há 24 anos, é intensa, ama cores e luxo, ama o branco e o simples. Não espera que a vida aconteça e nasceu para brilhar. Ela é o meu espelho, só que mais bem polido.

Verónica Vidal

À minha filha Camila, uma versão melhorada de mim mesma, com todo o meu amor.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Viajando com Estrelas

E a minha tia menina apareceu por aqui com ares de Alice, como quem corria atrás do coelho. Embrenhou-se por jardins e castelos, veio viver aventuras tão sonhadas que pensava mesmo que ia ficar só no sonho. Mas acontece que a gente lê Monteiro Lobato e descobre que a Narizinho realmente foi ao Reino das Águas Claras. Quando pequenos, temos a certeza de que Pedrinho viveu todas as aventuras descritas. Mas é que a gente cresce e simplesmente esquece que as aventuras acontecem também conosco. E assim foi. Minha tia menina colocou seu saquinho de purpurina e estrelinhas na bagagem e veio atrás do coelho. Trouxe a Raquel, desenhadora de mil desenhos, para o caso emergencial de um olho de gato que se pudesse fazer necessário ou simplesmente para brincar de bonequinha de papel com ela, caso os dias se fizessem monótonos e os carnavais por estas bandas não fossem tão coloridos.

E foi assim, com um pó de pirlimpimpim, que ela viajou pelo mundo e pelo tempo, recebeu coroa de flores para celebrar a festa de outras épocas e garantir que a sorte não saísse de sua cabeça - como se possível fora! O que não sabia, aquele pobre aldeão medieval, é que ela já havia nascido predestinada à sorte e que as muralhas dos castelos não serviriam para protegê-la e muito menos para prendê-la.Como Polegarzinha da família, ela viaja na casca da noz e deixa-nos a nós boquiabertos com seus feitos. Sem espada em punho mas de coração desembainhado, luta sem trégua até à vitória certa. E assim constrói a sua própria sorte e ornamenta com flores perfumadas a sua cabeça e com a indelével tinta da doçura vai desenhando sua história nos nossos corações.

Eu, que muitas vezes segui seus passos, percebi que era ela quem seguia os meus até olhar mais de perto e notar que, neste caleidoscópio que é a vida, ela nem seguia nem guiava, mas trilhava por estradas já desbravadas e por outras tantas picadas ainda por abrir. 

Do jeitinho que chegou se foi, dizendo um até logo como se fosse dobrar a esquina. Levou com ela sua amiga artista das artes, fazendo-me então ainda mais órfã dos risos, das alegrias e das músicas que por estas bandas não passam. E lá se foram as duas, encher de colorido e estrelinhas o Velho Mundo. Tenho certeza de que, depois delas, ele ficará um bocadinho mais novo.

Verónica Vidal 

À Licinha - que estranhamente já nasceu tia e que mais estranhamente ainda continuou menina - e à Marise, que nos proporcionaram momentos mágicos no curtinho período que estiveram conosco. Amo muito tudo isso - e ainda fiquei com a paçoca diet!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Minha Trepadeira não Trepa

Somos enganadas a torto e a direito por aí. Não, não vou falar em orgasmos múltiplos – embora devesse, mas minha tendência a um certo inconformismo exagerado nessa matéria iria colocar por terra os anseios das mais jovenzinhas. Falo mesmo é das coisas do dia a dia, coisas que compramos ou que nos são impingidas goela abaixo e que tomamos por verdades as mentiras mais cabeludas. Hããã… quando foi que eu me dei conta disso? Sempre! Quando foi que eu resolvi explodir? Quando uma amiga postou num site de relacionamentos que comprava aquelas borrachas metade azul metade vermelha, achando que a metade azul apagava tinta de caneta. Eu também. Passei a minha infância toda achando que eu era a única incompetente que não sabia apagar com aquela famigerada borracha.
É claro que também já comprei produtos do “ligue djá” que nunca funcionaram, praticamente todos destinados a transformar meu corpinho rotundo de baleia em sinuosas curvas de sereia em poucos minutos, mas isso a gente já sabe que não vai funcionar mesmo antes de comprar. Compramos apenas para alimentar a depressão e assim o mercado gira, e blá blá bla, mas deixa isso pra lá.
Agora, já adulta e pensando que nunca mais seria enganada, não é que me deparo com outra? Há dois anos atrás comprei uma trepadeira. Uma planta. Me disseram que o nome era buganvília e que era de fácil cultivo, precisando só de água, que podia ser plantada num vaso grande e que florescia, etc. e tal. Enfim, era o meu sonho de consumo para a varanda. Faria a minha felicidade visual e seria o meu orgulho como dona de casa. Só que… minha trepadeira não trepa! Estagnou. Recusa-se terminantemente a subir pelas canas que finquei no vaso. Não se enrola no pergolado da varanda e muito menos se multiplica pela treliça afora. É tímida, não trepa! Será que existe um complô entre jardineiros e sexólogos? Tá certo, a plantinha está lá, tímida, viva, verdinha, mas eu esperava uma frondosa e vasta chuva de flores cor-de-rosa. O que é que o sexólogo tem a ver com isso? Eram eles - mais especificamente ela, do programa de TV matutino, destinado às mulheres, depois do quadro de jardinagem (que me meteu o raio da buganvília na cabeça) - que me faziam esperar ansiosamente pela maturidade balzaca, pela liberdade da tão falada idade da loba. E  por onde andam os orgasmos múltiplos e a vida sexual tempestuosa que me prometiam após os quarenta? Talvez o ar livre continue sendo a melhor opção, tanto para mim quanto para a minha plantinha. O único pequeno detalhe é que, neste caso, apenas buganvílias não vão presas por atentado ao pudor.

Verónica Vidal - Eu disse que não falaria em orgasmos múltiplos, mas sou muito mentirosa. Não tanto quanto jardineiros e sexólogos.