quarta-feira, 6 de maio de 2015

Dia das Mães sem Mãe

Retirantes - Cândido Portinari (1944 - óleo/tela)
Mês de maio tenho sempre aquele misto de felicidade e tristeza. Aquela melancolia misturada ao cheiro das laranjeiras em flor que perfuma a cidade e nos obriga a abrir um sorriso involuntário. A certeza de que o comércio já inundou as ruas e lojas com publicidade sobre o Dia das Mães junto com as primeiras flores que desabrocham e anunciam a primavera. E eu tento esquecer o tal Dia das Mães e focar-me na estação das flores. Faço de conta que não é comigo, sinto-me com sorte por ter o primeiro domingo já passado e espero que o segundo domingo voe. Em Portugal, celebra-se o Dia da Mãe no primeiro domingo. No Brasil, a festa fica para o segundo domingo de Maio. Minha mãe deixou-nos cedo demais e o dia da mãe sem mãe não tem graça nenhuma. Eu vivo a muitos milhares de quilômetros das minhas filhas e faço de conta que tudo isso é normal. Quero só que o dia passe e que imagens de mães e bebês e abraços e flores sumam dos cartazes da cidade, da TV, da tela do meu computador. É meu maio egoísta. É meu desejo Grinch de dia das mães.

Olho-me ao espelho todos os dias de manhã, quando acordo com a cara amassada e vou lavar o rosto e os dentes. Todos os dias de manhã vejo traços da minha mãe. D. Lina está aqui, estampada na minha cara, impedindo-me de esquecê-la. Maldita saudade desgraçada que não me serve de nada, que não me permite pegar um avião para matá-la. Saudade cretina que não me deixa mandar mensagens por e-mail, carta, facebook, um telefonema. Saudade dolorosa, que não cura com o tempo, saudade mentirosa.

Refugio-me milhões de vezes nas minhas memórias de infância e invariavelmnete perguntam-me o porquê de eu reviver e relembrar tão claramente situações corriqueiras tão antigas. Lembranças doces e bestas. Lembranças em que mamãe estava conosco, cuidando, ralhando, brincando, levando a passear, obrigando a comer, protegendo, existindo. Minhas irmãs então estariam para sempre ali, minha mãe estaria para sempre ali. Era uma época de segurança onde perder qualquer uma dessas coisas era inimaginável. Por mais que eu tente me retirar do presente é impossível retornar ao passado, desdizer o já dito, desviver o vivido, ressuscitar o morto. Resta-me a lembrança, num eterno Vale a Pena Ver de Novo, em infinito rebobinar.

Não quero que minhas filhas sofram de saudades, essa praga é cruel. Quero antes que elas me desprezem por um motivo qualquer e assim nunca terão um amargo dia das mães sem mãe. Hão de desfrutar todos os dias de mãe longe, de mãe ausente, de mãe distante. Hão de viver suas vidas felizes e coloridas sem lembranças do tempo bom porque o tempo bom delas será sempre o tempo presente. O dia seguinte das minhas meninas será sempre melhor do que o dia de hoje, que foi muito melhor do que o de ontem. É isso o que eu quero. E eu me retiro, saio de cena, quietinha, sem fazer ruído, para não acordá-las.

Verónica Vidal