quinta-feira, 6 de abril de 2017

Família - conjunto de pessoas que amamos.

Já reconheço pouco da minha família alargada. Quando falo de família alargada, falo de todo aquele mundão de gente aparentado de alguma forma, seja por relações de sangue ou por afinidades. Minha árvore genealógica recente é tão complicada que me dá preguiça de explicar. Tenho tias que não são exatamente tias e primos que não são exatamente primos por conta de diferentes casamentos aqui e acolá. A questão é que eu cresci sem me aperceber disso porque esses assuntos nunca foram colocados. Não havia uma tia "menos tia" porque não era irmã do meu pai ou um primo "menos primo" porque seria filho de um meio irmão - gente o que é essa coisa de meio irmão? Somente agora, quando preciso explicar ao meu marido a lista do quem é quem, deparo-me com essas questões. E aborreço-me profundamente com observações do tipo: "Ah, então ele não é nada teu tio!" Não, na casa da minha avó não é assim. 

Minha avó é quase centenária. Chama-se Alice, mas para mim sempre foi vó, porque não conheci outra. Ela gosta de festas e ensina pelo exemplo. Não é mulher de dizer: "faz, assim, faz assado, faz cozido ou ensopado". Quando eu era pequena, ela fazia coisas do jeito dela e eu ficava feliz em ver o resultado. Quantas vezes ouvi minha mãe ou uma tia, a reclamar qualquer coisa da vida e receber o sábio conselho da vovó: "Ah, deixa isso para lá". E lá ia ela passar um café. Com o tempo, aprendi que valorizamos demasiado os problemas. Aliás, valorizamos demasiado pequenas coisas até que elas se tornem em problemas. Quando estou por aqui, encafifada com alguma coisa besta na cabeça, ouço a voz da vovó lá ao fundo: "Ah, deixa isso para lá". E vou tomar um café. Já vi vovó irritada, ou melhor, a ter um rompante de irritação. Seria estranho se nunca tivesse tido um ou outro rompante, pois tinha a casa sempre cheia, primeiro de filhos, depois de filhos e netos, e muitas vezes de um sem fim de gente que não se pode relacionar assim, de sopetão. E por ter visto um ou outro rompante da vovó, perdôo os meus próprios rompantes e sigo a vida.

A verdade é que carregamos conosco a nossa família. Aprendemos tantas coisas com ela que nos é impossível desarraigar sua influência. Quando somos abençoados com uma família numerosa e bagunçada como é a minha, simplesmente não desejamos extirpá-la de nós, ainda que nos tornemos gente grande. Há uns dois anos uma das minhas tias estava cá em casa de visita e, num dia em que saíamos de carro para algum lugar, disse-me que eu não devia encostar a cabeça no banco enquanto dirigia. "É perigoso, dá sono." Desde então, nunca mais descansei a minha cabeça naquele encosto de pescoço. Realmente dá sono. E um sem fim de coisas que faço ou deixo de fazer porque a minha família mora em mim.

A família há de se reunir em peso na casa da vovó para o dia do seu aniversário. Minha família celebra a vida. Eu vivo longe e não posso lá estar, mas absolutamente amo as conversas sobre os preparativos: Um diz que vai levar um salpicão, o outro um bolo, o outro não tem tempo e vai comprar pronto. O fato é que a casa vai ficar em festa, as pessoas vão chegando, o alarido vai aumentando e a vovó fica feliz. Vão tirar fotos e mais fotos, eu vou perguntar "Que bebé é esse?" - porque sempre nasce mais um que eu ainda não conheci - vou tentar identificar os tios, tias, primos e primas que não vejo há muito tempo e vou ficar com o coração apertadinho por estar longe. E é nessa hora que eu me lembro do livro do Richard Bach, que ganhei de um colega quando eu tinha uns 15 anos: "Longe é um lugar que não existe". 

Verónica Vidal