sábado, 24 de abril de 2010

POR QUE METADE DE MIM É PAIXÃO E A OUTRA METADE É VOCÊ

Ela vive paixões. E não admite uma vida sem paixão, sem que o coração viva aos saltos e faça o sangue correr mais rápido nas veias, ruborescendo faces e suando mãos. E assim sempre foi.

Aprendeu a falar línguas estranhas porque queria ser diferente. Foi trabalhar com gente diferente porque vivia num mundo que não era o dela, ou talvez o mundo em que vivia fora feito para outra pessoa, e ela teimava em lá estar por engano.

Era atriz. Vivia papéis. Era mestre. A sala de aula era seu palco, a turma sua platéia. Viveu o papel de mulher auto-suficiente quando já não era mais suficiente que assim fosse. E você apareceu. E tomou-a de paixões, de propósito, sabendo que ela era mulher de paixões. E assim ela empacotou seu trabalho estranho e desmontou seu palco, e foi viver numa terra estranha, por causa. de você. E já não trabalhava mais com gente diferente nem tinha mais um palco para atuar e, posto que era atriz, perdeu seu papel. E adoeceu de uma doença, sem cor e sem sabor, mas com cheiros e visões. E em meio a cansaços, lágrimas, ardores e vômitos, ela já não mais queria atuar, não desejava mais os palcos, antes ardia pelas cavernas, almejava o escuro. Já não queria sentir o sangue correr, antes desejava ficar quietinha, encolhida, misturada aos seus cheiros de éter e vômito e aos cabelos que lhe fugiam. Queria dormir para que o mundo voltasse a ser estranho para ela e não mais que ela continuasse a ser estranha para o mundo. Não queria ver pessoas, não queria saber do mundo. Despiu-se da beleza, ganhou olhos vermelhos, manchas e um corpo disforme.

Mas não se pode dar ao luxo de sofrer derrotas, porque, sendo mulher de paixões que é, acabou por te contaminar, moço. E tornou-se responsável por ti, posto que te cativou e precisava fazer valer a máxima do Pequeno Príncipe. Tinha agora a responsabilidade de voltar a viver seus papéis na vida, mas desta vez, em dueto. Porque ouviu Oswaldo Montenegro, e descobriu qual era a sua metade, e que não se pode dançar uma valsa sozinha, ao som dos bandolins.

VERÓNICA VIDAL

quarta-feira, 21 de abril de 2010

UM FILHO TATUADO NO PEITO

Ainda levaria uns bons minutos até que eu fosse atendida. Sala de espera típica de qualquer outro consultório, quatro mulheres aguardando para serem examinadas, todas nós com aquela cara de paisagem que fazemos quando vamos ao ginecologista. Sabemos que é incômodo, desagradável, ridículo até. Mas ninguém comenta. O médico está invariavelmente atrasado com as consultas, mas todas esperamos caladinhas, feito gado.

Começo a puxar conversa com a senhora que estava ao meu lado. Vinha trazer a filha. Menina ainda, 17 anos, grávida do namorado. Imediatamente fiz a viagem do túnel do tempo, de volta aos meus 17 anos, quando era eu quem estava grávida, na sala de espera de um consultório de ginecologia. Durante a adolescência, desenvolvemos um superpoder heróico, e nada nos pode atingir. Podemos transar com o namorado sem camisinha, tomamos a pílula dia sim três dias não, tatuamos o nome do nosso amado no corpo, porque aquele amor é para sempre e porque nada de mal nos acontecerá. Ainda temos bastante latente dentro de nós o coração da Cinderela, à espera de que o príncipe nos livre das garras de domínio dos nossos pais, trazendo-nos para a felicidade plena. Felicidade com ele, é claro.

Até que percebemos que a menstruação não veio, como deveria vir, cheia de cólicas e atrapalhando a nossa praia de sábado. Esperamos mais um bocado, porque ainda existe a certeza de que somos invencíveis, com superpoderes fantásticos e nada nos pode abalar. Até que finalmente, chegamos ao laboratório, com a amiga, e abrimos o terrível papelzinho que diz: POSITIVO. O frio na espinha sobe e desce, a mistura de emoções despenca como avalanche. O primeiro pensamento é: Como contar à minha mãe/ao meu pai? Assim é para todas nós. O que diferencia são as histórias de cada uma até chegarmos à concepção. Há as que engravidaram por puro desleixo, acreditando realmente nos superpoderes da adolescência e sonhando com a casinha de bonecas e o bebê cor de rosa, há as que terminaram um namoro e ficaram com outro numa festa, "pra esquecer", e engravidaram deste outro, que sequer sabiam quem era, há as que engravidam de namorados cretinos que jamais assumirão a criança, há as que têm o apoio dos pais e as que ficam sozinhas. Mas uma coisa é comum a todas nós: Nossa infância acabou bruscamente, nos cuidados com assaduras e nos intervalos das amamentações. De repente temos um aluguel a pagar, brevemente uma creche, escolinha, festinha de primeiro ano, roupinhas e brinquedos. O pré vestibular ficou para trás, a faculdade terá que esperar e o sonho da formatura foi adiado, muitas vezes para sempre. Nossa cabeça ainda é de adolescente, mas nossas tarefas e responsabilidades são de uma adulta. E descobrimos que não temos superpoderes, não somos invencíveis e amores não duram a vida toda. Mas tatuagens sim, e filhos também.

Às doces meninas-mães do meu coração, sobrinhas adotivas e àquelas que eu nunca vi, mas cujas adolescências ainda estão aí, e já não serão mais vividas, o meu beijo.

Verónica Vidal

quinta-feira, 15 de abril de 2010

ESCOLHAS

Minha paciência anda curta para muita coisa. Talvez tenha sofrido deste mal desde sempre. Passo a vida a justificar o porquê do Vasco ter ido para a segunda divisão, o porquê do Lula ter fama de beberrão, o porquê de pedirmos uma Coca e não uma Cola. Que saco! Acabo por pedir uma Pepsi.

Adoraria ser magrinha feito as BBB's que posam para as Paparazzi da vida. E ter 22 anos também. Mas, ao mesmo tempo, adoro um belo crepe com sorvete e calda de chocolate, o que, à partida, não combinaria com o look magrinha capa de Play Boy. Meus 22 anos também já lá se foram há uns (poucos) anos. O que me faz pensar que não podemos, de fato, ter tudo o que queremos, ao mesmo tempo. Não podemos ter desejos antagônicos. Se meu sonho é uma bunda durinha, preciso esquecer a cama quentinha e levantar cedo para ir à academia. Se meu desejo é uma barriga chapadinha, o crepe com sorvete terá que ficar de lado (isso é sim, muito injusto!).

Conheci um sujeito que vivia uma vida faustosa. Nada de grandes espantos, mas, como muitos outros, gastava bem mais do que os seus ganhos lhe permitiam. Comprava roupas de boa marca, hospedava-se em hotéis quando sua realidade não lhe permitiria sequer uma pensão barata, pagava almoços e jantares com mais freqüência do que a sua conta bancária lhe deixava. E assim seguiu sua vida, por anos a fio. Era um cara legal, simpático, na dele, gente boa. Acumulou dívidas e não construiu nada. Era bem conhecido, há anos, dos serviços de proteção ao crédito. Há algum tempo atrás, ele anuncia, com ares de prosperidade, que havia entrado num bom negócio. No mesmo dia do tal anúncio, sua filha pede-lhe ajuda para pagar a faculdade. E ele diz: "Não dá." Não podemos ter desejos antagônicos. Não podemos viver como se não tivéssemos filhos, se já os tivemos. Lamento por este sujeito. Ele teve 3 filhos, não ajudou nenhum, não criou nenhum. A vida lhe concedia uma última oportunidade. Era preciso fazer a escolha, e ele escolheu mal.

Sou vascaína, estando o Vasco em qualquer divisão. Não sou jogadora, e sim torcedora. Sou brasileira, por isso peço uma Coca Zero e nem gosto de Pepsi. Se o Lula bebe é problema dele, eu quero é um país justo e uma qualidade de vida compatível com a riqueza do país, para toda a população. Vou aprender a usar o photoshop.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

PAPO PIPOCA

Ontem fui ao cinema. Semana passada também. E na anterior e na antes dessa. Costumamos ir ao cinema às quintas-feiras, com poucas variações. É o dia das estréias dos filmes aqui na cidade e aproveitamos para quebrar a rotina da semana. Nestas épocas de entregas de oscares, ursos e palmas, entre outras tantas premiações que envolvem a sétima arte, pego-me a querer conversar sobre o filme, o que vi e não vi, o que gostei e não gostei. Sinto falta da minha irmã, companheira fiel durante meus longos anos de casamento-abandono. Hoje, que tenho um casamento de sonho, marido presente, etc e tal, dou por mim a sentir falta da minha companhia principal para o pós pipoca. Não tenho mais com quem falar sobre o filme cult que assisti, sobre o popularíssimo que detestei.

Um dia destes fomos - eu e meu marido - assistir Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, em 3ª dimensão. Filme comentadíssimo, muito esperado, sucesso de público. Saí no meio do filme. Uma chatice sem tamanho, uma decepção completa. Até então, só havia saído no meio de um filme, salvo engano: O Senhor do Anéis. E estávamos juntas, eu e minha irmã. Hoje, quero falar mal do filme e não tenho com quem. Meu marido vai ao cinema para se desligar do mundo por duas horas, não gosta de comentar filmes. Eu tenho a necessidade de espinafrar com um filme que custou o suor do meu rosto ao pagar o bilhete e duas horas da minha vida ao assisti-lo, caso não me agrade.

Com a mesma intensidade tenho o desejo de enaltecer filmes que me encantaram e falar dos pormenores que muitas vezes passam despercebidos. Adorei "Precious". Pela crueza da narrativa, sem dramatizações da desgraça, com um jeito que beira ao documentário. Sem música, sem maquiagem e sem gente "bonita". Lembrava-me os filmes vistos nos cinemas Estação. Filmes "mundo cão". É como ela se refere a este tipo de filmes.

Pois bem. Mas eu comecei este assunto a dizer que ontem fui ao cinema. Tive uma grata surpresa ao assistir ao filme "O Livro de Eli". Não tinha idéia da história, só sabia que era protagonizado pelo Denzel Washington e para mim isso já bastava para fechar bem o dia. O desenrolar da história foi me dando a certeza de que a escolha, embora aleatória, não poderia ter sido melhor. É um filme para assistir nas entrelinhas - ou entrecenas, entresons. Bruto e delicadíssimo. Passa-se numa América pós hecatombe nuclear, onde Eli (Denzel) tem a missão de levar um livro para o oeste e nada pode detê-lo de sua missão. Pode-se ler aí, o desejo humano de perpetuação de uma cultura, de propagação da fé, e de domínio sobre as massas. Um argumento antigo, num cenário batido, com uma história atual. E, apesar de tudo, surpreendente. Ai, ai... e eu aqui, a escrever o que eu gostaria de ter falado, de ter comentado, de ter repensado. Cadê a minha irmã cinéfila? Com quem vou comer um quiche de palmito com queijo? Onde estão Bruninho e Betinho? É, somos as famosas garotas das bolinhas de queijo...

Para a minha irmã, Viviane, que bem me lembrou que aguentamos até ao finzinho o Senhor do Anéis: Que será feito de Bruninho e Betinho?