quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Neste Natal, Eu Quero Muito

O fim do ano chegando, o Natal às portas e eu sem a menor vontade de celebrar. Ainda não comprei uma peça de roupa. Só de pensar em enfrentar um shopping lotado me dá urticária. Nunca fui contra as celebrações natalinas, pelo contrário, minha vida sempre foi contada em antes e depois do natal. Acho que todo aniversário deve ser festejado e o aniversário de Jesus Cristo, sendo Ele Deus como é, merece festas e mais festas, ainda que esta tenha sido uma data aproveitada, entretanto, a única que temos. Não é isso. E ainda não consegui analisar exatamente o porque desta minha preguiça social. Talvez porque aqui o natal seja em pleno inverno, o que não combina nem um pouco com época festiva para mim. Talvez seja pelo fato de não ver movimento espiritual algum neste período. Talvez porque os pacotes de compras tenham tomado o lugar da fé. Ou porque a minha fé, ainda que em Deus permaneça firme, na humanidade tenha esmorecido. O desfile sem fim de notícias sobre corrupção, auto-aumento de ordenados dos políticos, abandono da educação, fosso social, e mais, e mais, e mais. Tudo isso tem me desanimado a crer num futuro melhor, em que o mundo seja mais tolerante e verde. Não. O ser humano, como espécie, destrói-se a si. Como indivíduo, galga degraus além do limite de sua escada, em detrimento daqueles que deixa pisoteados pelo caminho.

Quero de presente de Natal a minha confiança no homem. Quero a música, quero a certeza de um amanhã melhor. Quero que cada família tenha comida à mesa e que lembre que agradecer o alimento é moralmente obrigatório. Quero telefones e televisores desligados às horas das refeições, porque quem está à minha frente é mais importante do que qualquer notícia fabricada do noticiário e quem telefona que volte a ligar em melhor hora. Quero que os filhos respeitem os pais, não obstante a idade que tenham. Quero que respeitemos o nosso Pai. A Ele toda a honra, toda a glória, todo o louvor.



sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Quero a Minha Avó só para Mim

*** E ainda garimpando, encontrei este texto, atualíssimo, escrito em 11/04/2005, no dia seguinte ao aniversário da minha avó, mulher que, junto com os meus pais, irmãs, primos, tios e tias, ajudou a colorir a minha infância e que hoje, me ajuda a resgatá-la. ***


Ontem foi aniversário da minha avó. Tentei o dia inteiro falar com ela, mas acho que todo o mundo estava tentando também. Tiveram mais sorte. Eu não consegui. Minha avó desperta em mim os sentimentos mais egoístas. Quero minha avó só para mim.

Sua figura é etérea, de mulher sempre satisfeita com a vida. Parece eternamente grata, como se o que tivesse recebido de Deus fosse sempre mais do que esperava. É de longe a mulher mais vitoriosa que conheci. Sua história é de se beber como água, é de se sentir, não de se escrever ou de se dizer. Dona de família numerosa, ajuntada à sua volta pelo magnetismo que exerce sobre todos nós. É abelha rainha e operária. Recusa-se a estar em seu pedestal e passeia no meio de nós como se fosse uma pessoa comum. Mas ela é a minha avó. Parece até não ter consciência de sua importância.

Nunca se viu o medo em seu rosto. Nem nos momentos mais duros, quando viu seus filhos partindo, um a um, a depressão não teve lugar perto dela. Ao contrário, voltava-se aos vivos. Por ela, o pranto há que ser rápido e as celebrações que durar dias. Se um filho morre, um neto lhe nasce e há mais alegria neste do que tristeza naquele. Com minha avó aprendi que nada é o fim do mundo até que o fim do mundo chegue. Aprendi que o Nobel da Paz tem sido entregue a pessoas erradas por anos a fio. Percebi que ela não dá a mínima para o prêmio, que de fato sempre lhe pertenceu. Vi que mesmo longe dela sua presença me acompanha, entranhada na minha alma, porque me moldou o caráter. Tenho medo das minhas filhas não se parecerem com a minha avó. Vejo que quanto mais netos e bisnetos lhe nascem, mais eu tenho que dividir a minha avó. Mas, ao mesmo tempo, cada vez mais ela é minha.

Verônica Vidal

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Depois dos 30

Esta eu escrevi em março de 2005, mas hoje, quando vi a foto da Giovanna Antonelli, 1 mês depois de um parto de gêmeas, lembrei deste texto e fui fuçar o baú. E achei. Então, aí vai: 

Nota: Acabo de ver um caminhão descarregando um montão de revistas "Boa Forma" (ou algo do tipo) com a Angélica na capa, toda malhada, após ter dado à luz ao seu bebê milionário que ganhou um helicóptero do papi. Reacendeu-me então a chama do ódio contra essas comparações que fazem conosco, pobres mortais, que trabalhamos das 6 às 19, sim, porque o tempo do ônibus também conta! E chegamos em casa a tempo de fazer o jantar e limpar a zona que os filhos fizeram durante o dia, sempre afirmando que estavam ocupadíssimos lavando 3 copos e 2 talheres.

Portanto, à nós, mulheres com celulites e gorduras localizadas, que lutamos de ônibus ou num 1.0 sem ar condicionado, que escolhemos se o que será pago este mês será a conta de telefone ou a de luz, minha mais sincera reverência. E a vocês, homens que desistiram de sonhar com uma Angélica da vida - se é que existe algum - e apreciam as suas mulheres maravilhosas, meu aplauso.

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DEPOIS DOS 30

Lembrei-me da propaganda que dizia que "o primeiro sutiã a gente nunca esquece". Depois vieram as mais diversificadas versões deste slogan, mas a que lateja na minha cabeça é a versão da época de colégio, "a última transa é a que a gente nunca esquece". Das duas uma: ou essas frases são pura mentira ou estou com sérios problemas de memória. Não lembro nem a cor do meu primeiro sutiã e, o mais humilhante de tudo é que eu não lembro quando foi minha última transa. Acho que já faz uns quatrocentos anos ou por aí. A sensação pelo menos é esta. Que fim levaram os homens? Aqueles, que estavam sempre disponíveis, prontos para te comer se bobeasses. E agora estou eu aqui, dando a maior bobeira e eles? Sumiram!

A verdade é que ter mais de trinta e menos de quarenta - idade que jamais chegará - é mesmo uma merda. Os homens mais velhos, ou os da mesma idade, só querem as de vinte e cinco. Querem mesmo são as de dezesseis, mas como dá cadeia, contentam-se com as de no máximo vinte e cinco. Os mais politicamente corretos e metidos a besta mentem dizendo que preferem mulheres mais velhas - leia-se: de trinta, trinta e dois no máximo. E ainda nos comparam às turbinadas das revistas. E cá ficamos nós, autênticas balzaquianas, bombardeadas por esta profusão de bundas e peitos siliconados, por vaginas incendiárias e barrigas chapadinhas com seus piercings nos umbigos. Odeio abdomen definido! Odeio os das mulheres, é claro, por que de homem eu não odeio nada. Seja definido ou indefinido, foi homem, eu a-do-ro! Além do que, não estou em situação de escolher. Ter que disputar meu macho com as popozudas que são conquistadas com a musiquinha chinfrim do Bolete e que prometem rebolações intermináveis, com suas coxas chupadas na lipo e panturrilhas malhadas no step, não dá!
Onde estão aqueles homens de verdade, que acham que celulite é nome de loja e que você nunca está gorda e sim gostosa? Aqueles que nunca reparam que você cortou o cabelo ou vestiu uma roupa nova, mas todo dia te jogam na cama e deixam no teu pescoço aquelas indeléveis marcas roxas, cuja explicação mentirosa soa sempre pior do que a verdade?
Vou lançar uma campanha contra o silicone e contra a lipoaspiração. Contra mulheres de quarenta que querem parecer ter vinte. E contra homens de cinquenta que querem as boletianas de vinte e cinco. Contra calça de cintura baixa e mini blusas sem sutiã. Está neste momento sendo lançado nacionalmente o MSH - o movimento das Mulheres Sem Homens - onde todos os homens com mais de quarenta serão desapropriados para serem enfim entregues a nós, balzaquianas, verdadeiras apreciadoras das barriguinhas salientes e dos ralos cabelos grisalhos. E, finalmente, talvez possamos voltar a ouvir Djavan, Caetano, Chico Buarque...

Verónica Vidal

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Pelo Mundo, Mas de Cabresto

Chichén Itzá - Yucatán (México)
Ahhh... férias, férias! Voltei numa terça, após uma viagem cansativa, sacolejante e apertada.

Fui ao México com o meu marido-tudo-de-bão. Fomos para lá, brincar de rico na Riviera Maya, passear por Cancun e testar o sistema de engorda dos resorts. Não chegamos ao ponto de participar das actividades promovidas pela equipe de animação do hotel, mas confesso aqui e só aqui: que deu uma vontadinha, lá isso deu!

E lá estávamos nós, a passear pelas ruínas Maias e a descobrir que tudo o que sabíamos era diferente do que é de verdade e que muito provavelmente, o que dizem que é de verdade nunca existiu.

Até que, num destes centros de artesanatos preparados para virar o turista de cabeça para baixo até cair a última moedinha, passa um grupo de quatro norte americanos e um deles pergunta para o outro se a pessoa que os estava a atender seria a dona da loja. O interrogado, do alto de sua arrogância vomita: Claro que não! Eles não têm capacidade para serem donos de nada. Isso tudo pertence às cadeias de hotéis europeias. A expressão “eles não têm capacidade” latejava no meu ouvido. Uma mistura de sentimentos ferveu. De repente, fiquei feliz pelos ataques terroristas sofridos pelos USA. De repente, meu sangue terceiro mundista esperneava dentro de mim. Cheguei a abrir a boca para falar que ele sim, não tinha capacidade para sair do seu umbigo e enxergar outras formas de sociedade. Mas não cheguei a dizer nada. Acho que ele não teria a capacidade necessária para compreender. E vou passar ainda um bom tempo a amar o que é considerado brega, o que é considerado pobre.

Morando em Portugal, não tenho mais a oportunidade de ouvir o homem da Kombi a gritar pelo alto-falante: Pamonha, pamonha, pamonha! E senti falta disso (é, a minha crise é uma loucura!!!). Ainda fazem o concurso da Garota da Laje? Jurei que, se eu voltasse e a bunda ainda estivesse no lugar, eu me candidataria. Só dispensaria o piscinão de Ramos, porque minha crise brega não havia chegado ainda a tanto.

Mas… eis que de repente, não mais que de repente, eu me deparo com a vitória do Tiririca nas urnas. Essa notícia curou a minha crise na horinha. Quando o voto ainda era no papel, a gente votava no Macaco Tião, no Rinoceronte Cacareco, tudo bem. Mas eles não eram eleitos! E mais: a grande polémica DEPOIS das eleições: Ele sabe ler? Ele não sabe ler? Enquanto a educação no Brasil for relegada a último plano, enquanto os professores mal pagos e mal treinados forem obrigados a passar o aluno de ano, ainda que ele não tenha obtido uma aprendizagem satisfatória, enquanto a escola pública estiver crivada de balas e o traficante determinar se tem ou não aula, o eleitor, tratado como gado, votará em quem o coronel mandar, elegerá o BBB da vez, o palhaço do dia. Ainda tenho esperanças que um dia larguemos o cabresto e possamos votar coerentemente. Ainda acho que temos capacidade.



Verónica Vidal – salário sangrado pelos impostos que alimentam o bolso da corrupção.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Nas Covas da Memória

E em mil novecentos e antigamente, minha vida mudou. Eu me mudei, perdi contatos preciosos, amigos queridos, porque antigamente não havia internet. Sim, inacreditavelmente vivíamos sem os Facebooks, Orkuts e Tweety era chamado de Piu-piu e fugia do Frajola. Nem e-mail havia. Então, bastava mudar de bairro ou de escola naquela grande Rio de Janeiro ainda sem bala perdida que os amigos se esfumaçavam, perdidos na distância do tempo e no curso da vida.

Até que a tecnologia aportou por aquelas bandas e presenteou famílias brasileiras com seus primeiros PCs. Mais um carnê do Ponto Frio se juntava ao das Casas Bahia e mais uma conta se agregaria à do telefone. Era a conta que nos ligaria ao mundo: A conta da Internet! E assim nossa vida de classe média baixa foi ligeiramente mais achatada por um viciante luxo. E graças a este pecado consumista pude manter o contato com amigos e familiares, mesmo tendo mudado de escola, de igreja, de bairro, de cidade, de país e de maridos. Não, não irei ao dentista. É caro. Sim, preciso de um laptop, os dentes que esperem.

Pois assim fui pescada no mundo virtual por uma antiga colega de colégio - já vos havia escrito isso aqui, em "COMO ANTIGAMENTE" e a partir dela, pude manter contato com outros colegas. Um deles, vive relativamente perto de mim. É hoje o meu amigo mais próximo, vivendo a 500 km de distância. E lá fomos nós, eu e minha cara-metade, pagar a visitinha que meu amigo nos havia feito mês e meio antes. Adoro pagar visitinhas. Ou melhor, só pago visitinhas que gosto, as outras, ficam na dívida.

Temos uma vida feita de compartimentos. É um pedaço para o trabalho, para o relacionamento com o chefe/subordinados/patrão/clientes, um pedaço para o marido/namorado/caso/ficante, outro para a família, para os amigos, para isso e para aquilo. Mas poucas coisas nos dão maior prazer do que este espaço reservado para o resgate. Sim, o resgate de uma época que sabemos que nunca mais voltará, o resgate de pessoas que passaram por nossas vidas, o de momentos, o de folhear álbum de retratos. E conjugar o resgate do passado com a realidade presente, é delicioso. Não faço o estilo saudosista, já disse muitas vezes. Acho que o hoje é sempre melhor do que o ontem, ainda que pareça pior, pois só hoje eu tenho a oportunidade de transformar o amanhã para melhor. Ali eu vi um menino de cuja voz eu mal me lembrava, gerindo uma família de esposa e dois filhos. E muitas vezes olhei para o menino grande e conseguia enxergar o menino pequeno. Será que eu consigo ainda carregar a minha menina pequena, depois de tantas andanças por aí?

E a vida do meu amiguinho é hoje um retrato colorido. Assim como eu, deixou para trás as ruas imundas e os muros pixados da zona norte do Rio de Janeiro para viver nas arborizadas cidades do primeiro mundo. Desfruta de um conforto impensável no Brasil e absolutamente normal por aqui. E nos levou a almoçar num restaurante dentro de uma cova. Sim, cova. Não, não cova de defunto. Uma região vinícola que guarda ainda as covas - grutas encravadas na terra - onde se mantinha o vinho, tranformada hoje em restaurante. Tudo muito europeu. E nos despedimos com aquele jeito de quem vai na esquina e já volta, como se não tivesse havido 27 anos de distância. E nas gavetas da minha memória, mais uma fotografia a preto e branco ganhou cores vibrantes, mas foi também mais um adeus que deixou um misto de alegria  e um amargor de saudade, como se o meu coração quebrasse aos bocados e ficasse espalhado por aí, pelas covas da memória, pelas entranhas da vida.

Verónica Vidal

Aos Pilet, meu muito obrigada, por compartilharem conosco momentos deliciosos. Guardem o pedaço do meu coração que por aí deixei.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Bum bum paticumbum prugurundum - O ziriguidum da mulher brasileira.

Andava doida para fazer umas luzes - aqui chamadas de madeixas. Meus cabelos brancos já estavam a incomodar e apareciam mais do que a Lady Gaga em revista de fofoca. Como ando na fase de mimos para minzinha, marquei horário no salão e lá fui eu, toda contente, me imaginando a Princesa Diana dos trópicos. Comprei logo uma revista para ler enquanto a água oxigenada torraria o pretume do meu cabelo. Para contrastar com o senso comum de que água oxigenada torra também o nosso cérebro, resolvi comprar uma revista típica de homens pseudopolitizados. Se estivesse no Brasil, de cara meteria uma Veja debaixo do braço, para fazer cara de engajada. Aqui, contentei-me com a Focus, uma espécie de Época lusitana. Ora, pois. E o que vejo estampado na capa? Nada mais nada menos do que uma bunda. E brasileira. "Os Segredos da Mulher Brasileira". Matéria de capa. Li a matéria. Afinal, sou brasileira e quero saber se mudou alguma coisa sobre o que falam e o que deixam de falar de nós. Nada. Nadinha. Toda aquela abundância resumiu-se numa matéria que dizia basicamente: Brasileira não é puta.

Não fosse o ódio lancinante que me comia as entranhas e as mãos fincadas à cadeira para não dar na cara da cabelereira que me puxava os cabelos com uma agulha de croché através de uma infernal touca de borracha, teria jogado o raio da revista fora. E, enquanto meus fios perdiam a cor sob o poder do peróxido de hidrogénio, fiquei eu a matutar: Ora pois, porque nos submetemos a este tipo de coisa? Desde quando agulha de croché deve ser utilizada para puxar cabelos? Eu pareço o ET de Varginha! Ainda existe gente no mundo que ache que mulher brasileira tem um ziriguidum especial e que sai pelo mundo a roubar maridos alheios? Homens gringos e inocentes realmente acreditam que aquelas mocinhas que estão no calçadão, nos bares, nas discotecas, se encantaram pelo poder sedutor deles? Que o dinheiro gasto com elas não foi pagamento por sexo, mas uma ajuda à pobrezinha terceiro mundista? Caraca, eu parece meeesmo o ET de Varginha!

Enfim, chegou a hora de tirar a famigerada touca azul e lavar meus recém aloirados fios. A cabelereira deve ter recebido a minha mensagem telepática de que sua vida estava por um fio. Começou uma sessão de massagem na minha cabeça. Meu ponto fraco. Perdoei todas as puxadelas de cabelo e até perdoei a horrorosa touca azul. Perdoei o escritor da matéria da bunda. Perdoei o mundo e quase me convertia ao budismo, não tivesse a massagem terminado logo.

Cheguei em casa, me sentindo uma nova Lady Di nada anoréxica. Comi uma salada de bacalhau com feijão fradinho regada no azeite e liguei no "Domingo Espetacular", que agora passa aqui às segundas-feiras, na Record. E ali vi mulheres brasileiras. Dando porrada nos maridos que traíam. Traindo maridos. Vi polonesa com roupa de grife sendo presa com cocaína no estômago. Vi que em todo lado há de tudo, que a generalização é burra e que Portugal tem mesmo um bom azeite. Ziriguidum, toda mulher tem. É só querer.

Verónica Vidal 
Vendendo ziriguidum. Quer? 10€! Só na minha mão! Compra 3 e paga 2!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Foi assim, como um resto de sol no mar...

Algumas pessoas vivem um eterno passado. Sempre achei estranho isso. Concordo que o passado nos transforma no que somos hoje, mas não concordo que vivamos das glórias ou dos sofrimentos de outrora. Não vejo sentido nisso.

Tive um trelelê com um sujeito que passava a vida a contar dos carros que teve, da época que morava em Ipanema, na Barra da Tijuca, do veleiro que possuiu e dos grandes negócios que fez. Parecia-me que ele andava numa maré de azar, como acontece com tanta gente. Ele estava "entre empregos" e vivia em casa dos pais em São João de Meriti. Nada do que me contara tinha sido invenção. Aos poucos fui percebendo que ele, mal começava a trabalhar e ganhava seu primeiro salário, fazia o leasing de um carro, alugava um apê na zona sul e ultrapassava o limite do cartão de crédito em lojas e restaurantes. Poucos meses depois, já estava o pobre homem pedindo guarida aos pais, em São João de Meriti. Eu o conheci com trinta e poucos anos. Ele hoje tem cinquenta e quatro e continua exatamente do mesmo jeito.

Outro senhor, que conheço há bem menos tempo e muito menos intimamente, viveu 14 anos no Brasil. Voltou há 18 anos para Portugal e passa a vida a dizer que "no Brasil isso..." e "no Brasil aquilo...".

Muitos aqui ainda fazem a conversão da moeda de euros para contos. Uma moeda que já não existe há 8 anos. E não estou aqui falando dos velhinhos nas aldeias não, falo dos jovens recém saídos das faculdades também. Os salários são pagos em euros, a economia é baseada no euro. Não se pode tentar buscar o valor de um produto sobre uma moeda que não existe. Muitas vezes me perguntam: "Isso é quanto em contos?" Eu simplesmente me recuso a responder. Apesar de ter procurado saber, por curiosidade, o valor do escudo e o que eram os "contos", não compactuo com a eternização da ignorância.

Há poucos dias tive uma visita deliciosa, um colega de colégio da época do segundo grau, na ENCE. Acabei por me lembrar de um professor de Geografia, que havia lutado na 2ª Guerra, por seis meses, em 1945. Nós estávamos em 1982 e invariavelmente ele revivia tristes fatos ocorridos há  trinta e sete anos. Ele viveu rotulado como o homem que veio da guerra. Parecia que a vida dele não era interessante no presente e que a tal luta que nem ao menos era dele, havia suplantado todos os seus interesses. Há poucos dias atrás conheci outro homem que me causou a mesma estranheza.

São mulheres com casamentos desfeitos, viúvas de luto fechado por anos a fio, num eterno Vale a Pena Ver de Novo.

Será que sou eu que, negligenciando o meu passado o chuto para debaixo do tapete, feito poeira? Será que a autocomiseração é um exercício que deva ser praticado com maior intensidade e eu perdi este ensinamento? Será que eu olho a minha vida sob uma ótica colorida quando na realidade ela deveria ser preto e branco? Dois casamentos desfeitos é derrota extrema para que alguém ouse ser feliz? A orfandade pode me condenar à lamúria eterna? Não, estas questões não podem ter respostas afirmativas.

Eu ainda procuro o filme Ardida como Pimenta (Calamity Jane), com Doris Day de 1953 e isso é o máximo do saudosismo a que chego.

Verónica Vidal

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Toca a Minha Vuvuzela, Meu Filho!

Ai, ai, ui, ui! Euzinha, que não entendo nadica de nada de futebol, ando por aqui em pulgas com essa copa do mundo. Só para atualizar, escrevo isto numa quarta-feira, dois dias antes do bate bola com a Holanda. Já descobri que esperamos mesmo é fazer uma laranjada daquela equipe de homens nórdicos, louros, altos, fortes, de olhos azuis, ai, ai, ui, ui! Eu, cá por mim, espremia as laranjas deles todinhas, todinhas! Nunca fui tão natureba. Ando doida por um suquinho...

Pois é. Eu preciso confessar que só assisto as partidas à espera do fim dos jogos, ou melhor, da troca de camisas. Nesta África do Sul a coisa andou mesmo a desejar. Não sei se pelo frio ou se por timidez, os meninos já não estão mais trocando as camisas como antigamente. Kaká foi trocar com Cristiano Ronaldo nos recônditos obscuros do vestiário, lugar onde a câmera não mostra nada. SA-CA-NA-GEM!

Outro protesto: Cadê o David Beckham, aquela dilicinha? Ficou em casa porque andava machucadinho, foi? Vem cá que mamãe trata do seu dodói...

Ontem, fui consolar meu fã clube português, já que los hermanos cravaram uma bolada no goleiro Eduardo - que por sinal, é totosinho. E não é que depois de uns vinhozinhos o lusitano já nem mais lembrava da escalação da equipe, ó pá? Então, fomos lá, comemorar no melhor estilo Zulu de ser, com aquele vuvuzelão poderosérrimo a gritar na minha frente. E Portugal provou que bate sim, um bolão - aliás, duas - só estavam era jogando no campo errado.

E vamo que vamo Brasil!!!!

Penélope Charmosa - brasileiríssima em campo. Não conhece impedimentos e se bobear, até o juiz mete um gol!

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Lucinha - uma história, uma vida

Lucinha era assim, não exatamente burra, não exatamente lenta, mas... era uma mulher, por assim dizer, fora do convencional. Foi aprendendo o ofício da costura com a mãe, lá no interior das Minas Gerais, até que um dia, partiu para trabalhar na cidade grande.

Em Belô, Lucinha se perdeu. Literalmente. Perdia-se nas ruas. Na volta para casa, admirava tudo que era prédio, admirava os moços bonitos. E daí, Lucinha se perdeu. No sentido figurado.. Mas nada era figurativo para o seu Zé, pai de Lucinha, que jurava ter a filha virgem e casta até aos dias de hoje, quando a moça, beirando os quarenta no RG mas sem nunca ter saído dos 32, já havia dado mais do que chuchu na serra.

Lucinha, perdida como era, perdeu-se de amores por um cearense bem dotado, corpo musculoso e um cadinho mais novo que ela. Conheceu o cearense através do carteiro, bom de papo, que lhe entregara correspondência errada. A moça, acreditando piamente no amor que dura para sempre, fez as malas e mudou-se para a casa do cearense que, não se sabe porque, passou a exigir muito mais da mesa e do banho do que da cama. A doce Lucinha que sonhava com uma vida de sexo selvagem diário - mas dentro dos bons costumes - viu-se a lavar, passar e cozinhar as comidas nordestinas preferidas do seu amado cearense. Um mês foi o suficiente para nossa querida heroína pedir penico. Com as unhas quebradas de tanto descascar macaxeira, volta para Belô. Seu Zé já não mais acreditaria na virgindade dela, depois de ter ido viver em concubinato libidinoso com um homem mas, pai é pai e acaba por aceitá-la de volta à família, ajuda a filha a pagar o aluguel de uma casinha nos subúrbios de Belzonte e a vida assim corre tranquila para a ex-donzela.

Até que...

Aparece um exemplar de homem alagoano na loja onde Lucinha trabalha. Homem forte, músculos saltitantes, pele trigueira e um cadinho mais novo que Lucinha. Ela sente o despertar de algumas coisas, o umedecer de outras tantas, sacode o cabelo para um lado e para o outro e vai atendender o alagoano, já fazendo planos de casamento no primeiro olá. Rola uma simpatia, o alagoano fareja uma chance de fornicação e, sem mais delongas, se enrolam nos fundos da loja, lá no cantinho do café e das vassouras mesmo. Lúcia Maria já praticamente distribuía os convites do casamento, imaginando-se vestida de noiva, com a ninhada de filhos que planejava, todos à volta dos pais, num domingo à tarde, a assistir o Faustão e a chupar picolé. Fez dieta, gastou o salário numa escova japonesa. Tudo para ele. Este sim, era homem de compromisso. Muito diferente do cearense. Afinal, este era alagoano! Outra coisa! Falava alto, em frente ao espelho, seu nome completo seguido do sobrenome do alagoano, para testar o som de seu futuro nome de casada. Fazia um gesto de aprovação. "Sim, ficou muito bom."

Até que...

Ritinha era a mocinha que trabalhava na lanchonete ao lado da loja de Lucinha. O alagoano tava comendo. Sim, comendo a Ritinha.

Lúcia Maria queria ir no salão pedir o dinheiro da escova japonesa de volta, mas o viado não concordou, dizia que não tinha nada a ver com o pato. As pessoas são mesmo muito incompreensivas hoje em dia.

Verónica Vidal - Lucinhas existem, de verdade. São a vergonha da classe feminina. Se você é uma Lucinha, não leia isso.


segunda-feira, 21 de junho de 2010

Impróprio para menores

A estação quente aportou agora por aqui e isso deixa mamãezinha acesa feito pirilampo. Cada mato deserto e escuro que passo daria um bom lugar para um fudenique. Por algum motivo que eu não sei qual é, imagina-se que sexo ao ar livre seja coisa de adolescente ou pós-adolescente sem dinheiro para pagar um motel. Ou coisa de tarado que queira publicitar sua libido nos youtube da vida. Nada disso, crianças.

Imaginem vocês que, numa clara noite de luar do verão passado, estava euzinha com meu garanhão a circular pelos pinhais à procura de um bom e ermo lugar onde pudéssemos dar vazão ao nosso furor selvático, já prevenidíssima com o meu kit-fudenic - entenda: uma manta para forrar o chão, evitando assim as indesejáveis formigas na bunda, um vinho tinto do bom, pra ajudar a entrar no clima, uns queijinhos e uns moranguinhos, para dar um tchan à coisa - quando damos de frente com um carro conhecido. Ok, mudamos de direção e seguimos por outros atalhos, picadas, caminhos. Encontramos uma clareira que era a cara dos escritos do Monteiro Lobato: sempre há uma clareira nas picadas por onde Pedrinho anda. Pois bem, concordamos que a tal clareira era ideal para nossas práticas libidinosas quando, já de kit na mão, e calcinhas no joelho, percebemos que não éramos os únicos. Mais alguém brincava de "A Cuca vai Pegar" naquela floresta.

Fala sério! Eu moro numa aldeia! Eu deveria ser a única representante da sem-vergonhice local. Sou brasileira, vendida em cartões postais de fio dental e filmes pornôs sem fio nenhum. Venho do país onde tudo pode, pensam os desavisados, que nunca pisaram o pé europeu em solo tupiniquim mas de tudo sabem, de tudo entendem. E eu ainda tenho que disputar espaço com os defensores da boa imagem e da família?

Não adiantaria nada gritar e espernear. Mudamos de clareira. Não foi a mesma coisa, mas eu não voltaria com meu kit intacto para casa, nem a cacete. Sou brasileira, não desisto nunca!

Verónica Vidal (com ajuda de Penélope Charmosa, é claro, porque eu não escrevo estas coisas de sacanagem, não)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Penélope Repaginada

É, voltei! E mudei de roupa. Sou mulher, canso da mesma roupa todos os dias, e mudo. Uniforme é bom para economizar nossos modelitos, para não termos que pensar no que vestir no dia seguinte e coisas assim, mas chega uma hora que dá um ódio mortal do repelente tailleur barato e mudamos de emprego só por causa do raio do uniforme. Não precisei chegar a tanto, descobri que haviam outras roupas no armário do blog e resolvi variar. Aproveitei também para dar uma repaginada no visual - neste caso, no meuzinho mesmo. Sei lá, cansei de ser baixinha e gordinha. Como as dietas não funcionam lá muito bem comigo, acho que vou comprar uma cinta e uns sapatos de salto alto.

Essa coisa de gordinha é mesmo uma merda. De um lado, falamos e ouvimos dizer que o que vale é o conteúdo, a cabeça, a personalidade. De outro, estampadas nas revistas só estão as fotos das barrigas chapadinhas, dos biquinis minúsculos. Por que motivo revista de dieta só tem foto de comida? Me dá uma fome! Não tenho mais dedos nas mãos para contar as tantas e tantas vezes em que li uma revista do tipo Dieta Já, Emagreça Imediatamente ou que cacete é, com uma pacote de Negresco no colo, a ser compulsivamente esvaziado.

E sair para comprar roupa então? É o caos! Homens, porque vocês acham que mulher AMA sapatos e bolsas? Porque estes SEMPRE cabem em nós! Poucas coisas no mundo são mais deprimentes do que estarmos num provador de loja, com umas 25 peças de roupa, experimentar todas e nenhuma servir. As que entram em nosso avantajado corpinho nos deixam com aquela aparência de geladeira antiga, quadrada dos lados e arredondada na frente. E logo vem uma FDP de uma magrela a dar conselhos úteis, como: Não precisa deixar de comer, dê uma corridinha... Vaca! Achas tu que os dígitos da balança subiram como? Fazer um gordo correr da sala para a cozinha já é grande feito! Tá certo, eu posso não estar ainda precisando de um guindaste para me arrancar de cima da cama, mas se o fecho dos meus jeans de 1998 não fecham como deveriam, eu tenho todo o direito de esbravejar furiosamente.

Na verdade, na verdade, estamos aqui a tagarelar sobre roupas, mas o pior mesmo é o momento sem roupa: Na hora H, não há strip que se mantenha sensual quando aquele bucho cai no momento de descer a calcinha. É precisamente neste momento que eu odeio de morte os biscoitos Negresco e afins. A Nestlé sabota a minha vida sexual e o meu sonho de filmar um porno doméstico com meu garanhão. Sempre comparei o sexo à comida. Ambos, se não forem praticados com cuidado, engordam. Nos dois casos, se for bom é o céu, se for mau é uma tortura infernal. Na comida podemos usar, mas não abusar, dos temperos. Nem todos combinam entre si. Um casal que só tempera seu bifinho com sal, não deve ir além dos lubrificantes. Já aquele que carrega na pimenta, conhece temperos de nomes exóticos e tem folhinhas de sálvia por cima do prato, pode perfeitamente gastar seu salariozinho na sex shop da esquina e ficará bem servido.

Enfim, babies, acho que a cinta não me vai ajudar nestas horas. Licença, que vou explodir a Nestlé.

Penélope (ainda charmosa, mas rotunda)

terça-feira, 25 de maio de 2010

"E de quimeras mil, um castelo ergui"

E porque temos história. Histórias de contar e histórias de sonhar. Nasci e sonhei que a minha vida de verdade era a vida de mentira que eu inventava. Tão repleta de aventuras, tão cheia de intrigas, tão janeteclaireana!

Da minha primeira infância lembro da jardineira cor-de-rosa com uma laranja bordada no centro do peito, exatamente igual à da minha irmã, que a usava nos mesmos dias que eu. "Parecem gêmeas!" Diziam. E lembro de contar as bolhas que se formavam nas poças d'água, em dia de chuva. Debruçada sobre o parapeito da janela, trepada no braço do sofá de napa grená, ficava eu um sem fim de tempo, a contar: a bolha grande era o pai, a outra a mãe, a menor o filhinho, e, mal contava o filhinho, a bolha-pai já havia estourado. E contava e recontava. Essa cena me veio à cabeça quando lia um post no blog do jacaré molhado. Acho que nasci assim. Inventadeira de histórias. Nunca fiz nada, mas nas minhas histórias já fiz de um tudo. Sou filha do meio.

Ser filha do meio é uma coisa muito mais ou menos. Não somos primogênitas nem somos caçulinhas. Estamos misturadas ao resto da prole que veio vindo. E assim, eu precisava ser especial nalguma coisa. E inventei que era. E virei órfã adotada, virei estrangeira, virei viajada, inventei tanto que acabei por me transformar nalgumas das minhas invenções. Até que descobri que todo mundo inventa, somos todos criaturas criadas pela necessidade do uso das máscaras caiadas que escondem as horrendas cicatrizes dos nossos rostos. E assim vivemos, num carnaval de Veneza, em bailes diários de efêmeras purpurinas, que nos enchem os olhos de brilho e nos cegam o senso. E lipoaspiramos as nossas vergonhas, esticamos o nosso passado, até que ele se torne tão transparente que já não mais nos lembramos dele. E nos cobrimos com mantos Prada, Chanel, apenas o suficiente para mostrarmos as nossas mentiras, o nosso peito de plástico, a nossa cara de Barbie. E essas mentiras já não mais são criticadas, porque já perdemos a capacidade de enxergá-las, tamanho é o desejo de que se tornem verdades. 

E tatuei teu nome no meu coração, marquei minh'alma a ferro com a tua letra, para que, se um dia meu peito se torne de plástico e minha cara se torne de Barbie, minha essência não seja contaminada e tu não me sejas aspirado pela futilidade que então se tornaria a minha vida.

Verónica Vidal

sábado, 24 de abril de 2010

POR QUE METADE DE MIM É PAIXÃO E A OUTRA METADE É VOCÊ

Ela vive paixões. E não admite uma vida sem paixão, sem que o coração viva aos saltos e faça o sangue correr mais rápido nas veias, ruborescendo faces e suando mãos. E assim sempre foi.

Aprendeu a falar línguas estranhas porque queria ser diferente. Foi trabalhar com gente diferente porque vivia num mundo que não era o dela, ou talvez o mundo em que vivia fora feito para outra pessoa, e ela teimava em lá estar por engano.

Era atriz. Vivia papéis. Era mestre. A sala de aula era seu palco, a turma sua platéia. Viveu o papel de mulher auto-suficiente quando já não era mais suficiente que assim fosse. E você apareceu. E tomou-a de paixões, de propósito, sabendo que ela era mulher de paixões. E assim ela empacotou seu trabalho estranho e desmontou seu palco, e foi viver numa terra estranha, por causa. de você. E já não trabalhava mais com gente diferente nem tinha mais um palco para atuar e, posto que era atriz, perdeu seu papel. E adoeceu de uma doença, sem cor e sem sabor, mas com cheiros e visões. E em meio a cansaços, lágrimas, ardores e vômitos, ela já não mais queria atuar, não desejava mais os palcos, antes ardia pelas cavernas, almejava o escuro. Já não queria sentir o sangue correr, antes desejava ficar quietinha, encolhida, misturada aos seus cheiros de éter e vômito e aos cabelos que lhe fugiam. Queria dormir para que o mundo voltasse a ser estranho para ela e não mais que ela continuasse a ser estranha para o mundo. Não queria ver pessoas, não queria saber do mundo. Despiu-se da beleza, ganhou olhos vermelhos, manchas e um corpo disforme.

Mas não se pode dar ao luxo de sofrer derrotas, porque, sendo mulher de paixões que é, acabou por te contaminar, moço. E tornou-se responsável por ti, posto que te cativou e precisava fazer valer a máxima do Pequeno Príncipe. Tinha agora a responsabilidade de voltar a viver seus papéis na vida, mas desta vez, em dueto. Porque ouviu Oswaldo Montenegro, e descobriu qual era a sua metade, e que não se pode dançar uma valsa sozinha, ao som dos bandolins.

VERÓNICA VIDAL

quarta-feira, 21 de abril de 2010

UM FILHO TATUADO NO PEITO

Ainda levaria uns bons minutos até que eu fosse atendida. Sala de espera típica de qualquer outro consultório, quatro mulheres aguardando para serem examinadas, todas nós com aquela cara de paisagem que fazemos quando vamos ao ginecologista. Sabemos que é incômodo, desagradável, ridículo até. Mas ninguém comenta. O médico está invariavelmente atrasado com as consultas, mas todas esperamos caladinhas, feito gado.

Começo a puxar conversa com a senhora que estava ao meu lado. Vinha trazer a filha. Menina ainda, 17 anos, grávida do namorado. Imediatamente fiz a viagem do túnel do tempo, de volta aos meus 17 anos, quando era eu quem estava grávida, na sala de espera de um consultório de ginecologia. Durante a adolescência, desenvolvemos um superpoder heróico, e nada nos pode atingir. Podemos transar com o namorado sem camisinha, tomamos a pílula dia sim três dias não, tatuamos o nome do nosso amado no corpo, porque aquele amor é para sempre e porque nada de mal nos acontecerá. Ainda temos bastante latente dentro de nós o coração da Cinderela, à espera de que o príncipe nos livre das garras de domínio dos nossos pais, trazendo-nos para a felicidade plena. Felicidade com ele, é claro.

Até que percebemos que a menstruação não veio, como deveria vir, cheia de cólicas e atrapalhando a nossa praia de sábado. Esperamos mais um bocado, porque ainda existe a certeza de que somos invencíveis, com superpoderes fantásticos e nada nos pode abalar. Até que finalmente, chegamos ao laboratório, com a amiga, e abrimos o terrível papelzinho que diz: POSITIVO. O frio na espinha sobe e desce, a mistura de emoções despenca como avalanche. O primeiro pensamento é: Como contar à minha mãe/ao meu pai? Assim é para todas nós. O que diferencia são as histórias de cada uma até chegarmos à concepção. Há as que engravidaram por puro desleixo, acreditando realmente nos superpoderes da adolescência e sonhando com a casinha de bonecas e o bebê cor de rosa, há as que terminaram um namoro e ficaram com outro numa festa, "pra esquecer", e engravidaram deste outro, que sequer sabiam quem era, há as que engravidam de namorados cretinos que jamais assumirão a criança, há as que têm o apoio dos pais e as que ficam sozinhas. Mas uma coisa é comum a todas nós: Nossa infância acabou bruscamente, nos cuidados com assaduras e nos intervalos das amamentações. De repente temos um aluguel a pagar, brevemente uma creche, escolinha, festinha de primeiro ano, roupinhas e brinquedos. O pré vestibular ficou para trás, a faculdade terá que esperar e o sonho da formatura foi adiado, muitas vezes para sempre. Nossa cabeça ainda é de adolescente, mas nossas tarefas e responsabilidades são de uma adulta. E descobrimos que não temos superpoderes, não somos invencíveis e amores não duram a vida toda. Mas tatuagens sim, e filhos também.

Às doces meninas-mães do meu coração, sobrinhas adotivas e àquelas que eu nunca vi, mas cujas adolescências ainda estão aí, e já não serão mais vividas, o meu beijo.

Verónica Vidal

quinta-feira, 15 de abril de 2010

ESCOLHAS

Minha paciência anda curta para muita coisa. Talvez tenha sofrido deste mal desde sempre. Passo a vida a justificar o porquê do Vasco ter ido para a segunda divisão, o porquê do Lula ter fama de beberrão, o porquê de pedirmos uma Coca e não uma Cola. Que saco! Acabo por pedir uma Pepsi.

Adoraria ser magrinha feito as BBB's que posam para as Paparazzi da vida. E ter 22 anos também. Mas, ao mesmo tempo, adoro um belo crepe com sorvete e calda de chocolate, o que, à partida, não combinaria com o look magrinha capa de Play Boy. Meus 22 anos também já lá se foram há uns (poucos) anos. O que me faz pensar que não podemos, de fato, ter tudo o que queremos, ao mesmo tempo. Não podemos ter desejos antagônicos. Se meu sonho é uma bunda durinha, preciso esquecer a cama quentinha e levantar cedo para ir à academia. Se meu desejo é uma barriga chapadinha, o crepe com sorvete terá que ficar de lado (isso é sim, muito injusto!).

Conheci um sujeito que vivia uma vida faustosa. Nada de grandes espantos, mas, como muitos outros, gastava bem mais do que os seus ganhos lhe permitiam. Comprava roupas de boa marca, hospedava-se em hotéis quando sua realidade não lhe permitiria sequer uma pensão barata, pagava almoços e jantares com mais freqüência do que a sua conta bancária lhe deixava. E assim seguiu sua vida, por anos a fio. Era um cara legal, simpático, na dele, gente boa. Acumulou dívidas e não construiu nada. Era bem conhecido, há anos, dos serviços de proteção ao crédito. Há algum tempo atrás, ele anuncia, com ares de prosperidade, que havia entrado num bom negócio. No mesmo dia do tal anúncio, sua filha pede-lhe ajuda para pagar a faculdade. E ele diz: "Não dá." Não podemos ter desejos antagônicos. Não podemos viver como se não tivéssemos filhos, se já os tivemos. Lamento por este sujeito. Ele teve 3 filhos, não ajudou nenhum, não criou nenhum. A vida lhe concedia uma última oportunidade. Era preciso fazer a escolha, e ele escolheu mal.

Sou vascaína, estando o Vasco em qualquer divisão. Não sou jogadora, e sim torcedora. Sou brasileira, por isso peço uma Coca Zero e nem gosto de Pepsi. Se o Lula bebe é problema dele, eu quero é um país justo e uma qualidade de vida compatível com a riqueza do país, para toda a população. Vou aprender a usar o photoshop.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

PAPO PIPOCA

Ontem fui ao cinema. Semana passada também. E na anterior e na antes dessa. Costumamos ir ao cinema às quintas-feiras, com poucas variações. É o dia das estréias dos filmes aqui na cidade e aproveitamos para quebrar a rotina da semana. Nestas épocas de entregas de oscares, ursos e palmas, entre outras tantas premiações que envolvem a sétima arte, pego-me a querer conversar sobre o filme, o que vi e não vi, o que gostei e não gostei. Sinto falta da minha irmã, companheira fiel durante meus longos anos de casamento-abandono. Hoje, que tenho um casamento de sonho, marido presente, etc e tal, dou por mim a sentir falta da minha companhia principal para o pós pipoca. Não tenho mais com quem falar sobre o filme cult que assisti, sobre o popularíssimo que detestei.

Um dia destes fomos - eu e meu marido - assistir Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, em 3ª dimensão. Filme comentadíssimo, muito esperado, sucesso de público. Saí no meio do filme. Uma chatice sem tamanho, uma decepção completa. Até então, só havia saído no meio de um filme, salvo engano: O Senhor do Anéis. E estávamos juntas, eu e minha irmã. Hoje, quero falar mal do filme e não tenho com quem. Meu marido vai ao cinema para se desligar do mundo por duas horas, não gosta de comentar filmes. Eu tenho a necessidade de espinafrar com um filme que custou o suor do meu rosto ao pagar o bilhete e duas horas da minha vida ao assisti-lo, caso não me agrade.

Com a mesma intensidade tenho o desejo de enaltecer filmes que me encantaram e falar dos pormenores que muitas vezes passam despercebidos. Adorei "Precious". Pela crueza da narrativa, sem dramatizações da desgraça, com um jeito que beira ao documentário. Sem música, sem maquiagem e sem gente "bonita". Lembrava-me os filmes vistos nos cinemas Estação. Filmes "mundo cão". É como ela se refere a este tipo de filmes.

Pois bem. Mas eu comecei este assunto a dizer que ontem fui ao cinema. Tive uma grata surpresa ao assistir ao filme "O Livro de Eli". Não tinha idéia da história, só sabia que era protagonizado pelo Denzel Washington e para mim isso já bastava para fechar bem o dia. O desenrolar da história foi me dando a certeza de que a escolha, embora aleatória, não poderia ter sido melhor. É um filme para assistir nas entrelinhas - ou entrecenas, entresons. Bruto e delicadíssimo. Passa-se numa América pós hecatombe nuclear, onde Eli (Denzel) tem a missão de levar um livro para o oeste e nada pode detê-lo de sua missão. Pode-se ler aí, o desejo humano de perpetuação de uma cultura, de propagação da fé, e de domínio sobre as massas. Um argumento antigo, num cenário batido, com uma história atual. E, apesar de tudo, surpreendente. Ai, ai... e eu aqui, a escrever o que eu gostaria de ter falado, de ter comentado, de ter repensado. Cadê a minha irmã cinéfila? Com quem vou comer um quiche de palmito com queijo? Onde estão Bruninho e Betinho? É, somos as famosas garotas das bolinhas de queijo...

Para a minha irmã, Viviane, que bem me lembrou que aguentamos até ao finzinho o Senhor do Anéis: Que será feito de Bruninho e Betinho?

sexta-feira, 12 de março de 2010

Uma voltinha de Velotrol

Minha filha me liga e grita: "Mãe, peguei a carteira!!!" Respondi com a resposta previsível, as felicitações esperadas e fiquei sinceramente feliz por ela. Passado o enlevo da sua exclamação, meu estômago resolveu dar sinal de vida e avisou, com aquele friozinho que lhe é peculiar, de que eu estava com medo. Com medo de que? Pensei. Medo dela sofrer um acidente de trânsito? Não, porque isso poderia acontecer sendo ela ou outra pessoa a conduzir. Medo de...e pensei ainda um pouco mais, não querendo mesmo aceitar o motivo, a razão do meu medo. Tive - e tenho - medo porque ela cresceu, porque eu envelheci, porque ainda tenho a foto dela, de fraldas, a andar de velotrol pela sala de casa. O velotrol, com suas enormes rodas vermelhas, ficou para trás. Hoje, ela conduz um carro, vai para o bloco de carnaval com uma latinha de cerveja na mão e eu nem estou lá. Quando foi que a cerveja substitui o guaraná? Quando foi que ela começou a atravessar a rua sem precisar me dar a mão? Quando foi que o jazz no ginásio da escola virou samba no bloco de carnaval? Eu me perdi no tempo, perdi capítulos inteiros das vidas das minhas filhas. E percebo que a novela da vida não para, à espera de que nos habituemos às suas mudanças, à entrada de novos personagens, ao delinear de novos rumos.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

COMO ANTIGAMENTE

Há alguns anos atrás, recebi o telefonema de uma antiga colega de escola, que encontrou meu número na lista telefônica. Ela se dedicava a reunir o pessoal amigo da escola. Nós estudamos juntas da 5ª à 7ª série, e a partir daí reencontrei muitos amigos queridos, já meio esquecidos na memória embotada. Fui a alguns encontros, trocamos alguns e-mails e retomei de leve o contato com este pedacinho da minha adolescência.

Há alguns meses atrás, encontrei num site de relacionamento um antigo colega de escola. Participava da comunidade de ex-alunos desta. Através dele, fui retomando contato com mais uns poucos. Travei uma conversa fantástica via messenger com uma antiga amiga. E falamos de pessoas que eu já nem me lembrava mais, mas que tiveram um papel importante à época. O retrato dos meus colegas de escola, outrora à sépia, hoje brilha a cores vivas. Graças a essa minha amiga. E por isso e por outras coisas, descobri que não deixei de amá-la. Não deixamos de amar nossas amigas queridas, apenas as guardamos na gaveta da nossa memória.

Há alguns dias atrás, uma amiga minha, de outro lugar, de outra época, me reencontra no Skype. Travamos uma verdadeira conversa de comadres, e o tempo e a distância que nos separava já não mais existia. Já falei dela aqui. Sempre a amei.

Viver fora do nosso meio, longe dos nossos amigos, nos faz amá-los mais. Percebemos a falta de cada um deles e notamos que não se substitui um amigo, ainda que possamos fazer novos. A tecnologia trouxe a mim esse bálsamo: O reencontro com amigas queridas, há muito guardadas. Só quem não as tem por perto poderá compreender a falta que elas fazem. Homens travam amizades, mas mulheres são verdadeiramente amigas e confidentes. Amigas, confidenciam sentimentos, que é o mais precioso e mais perecível de todos os bens. E assim, via skype, messenger e afins, continuamos comadres, igualzinho a antigamente.

Verónica

À vocês, minhas amigas queridas, por quem muito tenho declarado afeto mas que nunca me soa redundante repetir.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Jujubas da TV

Outro dia teria sido o aniversário do meu pai, se ele ainda estivesse vivo. Sempre lembro dos aniversários, nunca sei as datas de falecimento. Considero-me uma privilegiada. Tenho memória seletiva e, quanto mais o tempo passa, mais seleta são as coisas que se fixam na minha memória. Lembro pouco ou nada de gente aborrecida, de rusgas e de acontecimentos tristes. Sobra a saudade de uma vida não lá muito bem vivida, mas muito bem imaginada.

Do meu relacionamento com meu pai, pouca coisa guardei, muita coisa fantasiei. Não tive um pai dos filmes e novelas, que levam filhos ao parque a soltam pipas no gramado. Éramos todas meninas, e naquela época era mais difícil encontrar pais que se relacionassem com filhas. E se não era, gosto de pensar que sim, porque assim era para mim. Nada me marcou mais - positivamente - do que uma noite qualquer, dessas em que aos 7 anos a gente levanta da cama diretinho para o banheiro, apertada. Tínhamos uma TV muito grande, em preto e branco, daquelas de válvulas. Meu pai chegava do bar e tirava do bolso da calça 3 pacotes de jujubas, daquelas jujubas grandes e redondas, coloridas, dispostas uma em cima da outra e que formam uma lingüiça. Eram as minhas preferidas! Colocou-as em cima da televisão, ao lado da antena. Eu sabia que só as receberia no dia seguinte, mas a visão daquelas jujubas em cima da TV encheu meu coração de amor pelo meu pai.

Passado algum tempo, esqueci disso. Comecei a pensar que nada me compraria. Hoje vejo que não. Ainda sou comprada por jujubas. Não quero saber de pessoas perfeitas, não quero o politicamente correto, não espero o sucesso em todos. Fico feliz com as jujubas que trouxerem para mim.