terça-feira, 17 de agosto de 2010

Bum bum paticumbum prugurundum - O ziriguidum da mulher brasileira.

Andava doida para fazer umas luzes - aqui chamadas de madeixas. Meus cabelos brancos já estavam a incomodar e apareciam mais do que a Lady Gaga em revista de fofoca. Como ando na fase de mimos para minzinha, marquei horário no salão e lá fui eu, toda contente, me imaginando a Princesa Diana dos trópicos. Comprei logo uma revista para ler enquanto a água oxigenada torraria o pretume do meu cabelo. Para contrastar com o senso comum de que água oxigenada torra também o nosso cérebro, resolvi comprar uma revista típica de homens pseudopolitizados. Se estivesse no Brasil, de cara meteria uma Veja debaixo do braço, para fazer cara de engajada. Aqui, contentei-me com a Focus, uma espécie de Época lusitana. Ora, pois. E o que vejo estampado na capa? Nada mais nada menos do que uma bunda. E brasileira. "Os Segredos da Mulher Brasileira". Matéria de capa. Li a matéria. Afinal, sou brasileira e quero saber se mudou alguma coisa sobre o que falam e o que deixam de falar de nós. Nada. Nadinha. Toda aquela abundância resumiu-se numa matéria que dizia basicamente: Brasileira não é puta.

Não fosse o ódio lancinante que me comia as entranhas e as mãos fincadas à cadeira para não dar na cara da cabelereira que me puxava os cabelos com uma agulha de croché através de uma infernal touca de borracha, teria jogado o raio da revista fora. E, enquanto meus fios perdiam a cor sob o poder do peróxido de hidrogénio, fiquei eu a matutar: Ora pois, porque nos submetemos a este tipo de coisa? Desde quando agulha de croché deve ser utilizada para puxar cabelos? Eu pareço o ET de Varginha! Ainda existe gente no mundo que ache que mulher brasileira tem um ziriguidum especial e que sai pelo mundo a roubar maridos alheios? Homens gringos e inocentes realmente acreditam que aquelas mocinhas que estão no calçadão, nos bares, nas discotecas, se encantaram pelo poder sedutor deles? Que o dinheiro gasto com elas não foi pagamento por sexo, mas uma ajuda à pobrezinha terceiro mundista? Caraca, eu parece meeesmo o ET de Varginha!

Enfim, chegou a hora de tirar a famigerada touca azul e lavar meus recém aloirados fios. A cabelereira deve ter recebido a minha mensagem telepática de que sua vida estava por um fio. Começou uma sessão de massagem na minha cabeça. Meu ponto fraco. Perdoei todas as puxadelas de cabelo e até perdoei a horrorosa touca azul. Perdoei o escritor da matéria da bunda. Perdoei o mundo e quase me convertia ao budismo, não tivesse a massagem terminado logo.

Cheguei em casa, me sentindo uma nova Lady Di nada anoréxica. Comi uma salada de bacalhau com feijão fradinho regada no azeite e liguei no "Domingo Espetacular", que agora passa aqui às segundas-feiras, na Record. E ali vi mulheres brasileiras. Dando porrada nos maridos que traíam. Traindo maridos. Vi polonesa com roupa de grife sendo presa com cocaína no estômago. Vi que em todo lado há de tudo, que a generalização é burra e que Portugal tem mesmo um bom azeite. Ziriguidum, toda mulher tem. É só querer.

Verónica Vidal 
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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Foi assim, como um resto de sol no mar...

Algumas pessoas vivem um eterno passado. Sempre achei estranho isso. Concordo que o passado nos transforma no que somos hoje, mas não concordo que vivamos das glórias ou dos sofrimentos de outrora. Não vejo sentido nisso.

Tive um trelelê com um sujeito que passava a vida a contar dos carros que teve, da época que morava em Ipanema, na Barra da Tijuca, do veleiro que possuiu e dos grandes negócios que fez. Parecia-me que ele andava numa maré de azar, como acontece com tanta gente. Ele estava "entre empregos" e vivia em casa dos pais em São João de Meriti. Nada do que me contara tinha sido invenção. Aos poucos fui percebendo que ele, mal começava a trabalhar e ganhava seu primeiro salário, fazia o leasing de um carro, alugava um apê na zona sul e ultrapassava o limite do cartão de crédito em lojas e restaurantes. Poucos meses depois, já estava o pobre homem pedindo guarida aos pais, em São João de Meriti. Eu o conheci com trinta e poucos anos. Ele hoje tem cinquenta e quatro e continua exatamente do mesmo jeito.

Outro senhor, que conheço há bem menos tempo e muito menos intimamente, viveu 14 anos no Brasil. Voltou há 18 anos para Portugal e passa a vida a dizer que "no Brasil isso..." e "no Brasil aquilo...".

Muitos aqui ainda fazem a conversão da moeda de euros para contos. Uma moeda que já não existe há 8 anos. E não estou aqui falando dos velhinhos nas aldeias não, falo dos jovens recém saídos das faculdades também. Os salários são pagos em euros, a economia é baseada no euro. Não se pode tentar buscar o valor de um produto sobre uma moeda que não existe. Muitas vezes me perguntam: "Isso é quanto em contos?" Eu simplesmente me recuso a responder. Apesar de ter procurado saber, por curiosidade, o valor do escudo e o que eram os "contos", não compactuo com a eternização da ignorância.

Há poucos dias tive uma visita deliciosa, um colega de colégio da época do segundo grau, na ENCE. Acabei por me lembrar de um professor de Geografia, que havia lutado na 2ª Guerra, por seis meses, em 1945. Nós estávamos em 1982 e invariavelmente ele revivia tristes fatos ocorridos há  trinta e sete anos. Ele viveu rotulado como o homem que veio da guerra. Parecia que a vida dele não era interessante no presente e que a tal luta que nem ao menos era dele, havia suplantado todos os seus interesses. Há poucos dias atrás conheci outro homem que me causou a mesma estranheza.

São mulheres com casamentos desfeitos, viúvas de luto fechado por anos a fio, num eterno Vale a Pena Ver de Novo.

Será que sou eu que, negligenciando o meu passado o chuto para debaixo do tapete, feito poeira? Será que a autocomiseração é um exercício que deva ser praticado com maior intensidade e eu perdi este ensinamento? Será que eu olho a minha vida sob uma ótica colorida quando na realidade ela deveria ser preto e branco? Dois casamentos desfeitos é derrota extrema para que alguém ouse ser feliz? A orfandade pode me condenar à lamúria eterna? Não, estas questões não podem ter respostas afirmativas.

Eu ainda procuro o filme Ardida como Pimenta (Calamity Jane), com Doris Day de 1953 e isso é o máximo do saudosismo a que chego.

Verónica Vidal