sábado, 19 de dezembro de 2009

Natais Perfeitos


Natais Perfeitos

Acredito que todos temos vários natais dentro de nós. Por algum tempo, especialmente em crianças, vivemos natais coloridos com bolas nas árvores e papel de presente. Noutros tempos, vivemos um natal religioso, com aquela deliciosa sensação de proximidade de Deus, com consciência de Sua misericórdia. Há períodos em que vivemos o natal social, quando doamos dinheiro, brinquedos, comida, agasalhos e o que mais vier, àqueles que não têm condições para obtê-los por meios próprios. E, pensando assim, pensei que o natal é um bocadinho como o nosso corpo. Ele se transforma ao sabor do tempo, dependente ou não da nossa vontade. Crescemos, envelhecemos, engordamos, emagrecemos, nosso cabelo embranquece, cai, mudamos de escola, de casa, de círculo de amigos, de estilo de roupa. Mas, assim como nós seremos sempre nós, o natal será sempre natal.

O meu natal perfeito é na verdade, a mistura de diversos natais que já passei. É o natal dos meus 8 anos de idade, quando meu pai voltou do Japão e trouxe uma mala cheia de presentes. Trouxe um gravador e gravamos a voz de todos na família. Inventamos musiquinhas de natal horrorosas e conseguimos piorá-las cantando-as. Meu avô contava os presentes que havia ganho: “...cueca, cueca, cueca!”. Inesquecível foi o natal dos meus 10 anos, quando ganhei uma bicicleta. O tempo passou, meu corpo cresceu, e meu natal tornou-se em religioso, denso, importante. Mas vivia ainda, nos olhos das minhas filhas, o natal colorido. E neste dia, tiramos uma grande foto de família, que enfeita a sala da minha avó até hoje.

Há alguns dias recebi um pedido de autorização. Era da minha tia, menina, aquela que tem estrelinhas de Carnaval nos olhos e veste pareô. Ela pedia para que o natal fosse em sua casa este ano. Pode? Sempre pode. Mas será sempre o Natal da Casa da minha Avó. Que, assim como nós, também se transforma, muda de casa. Minha lágrima escorre hoje do olho porque eu queria muito estar lá, porque na verdade nunca de lá saí. Queria jogar pique-bandeira na vila, com a minha irmã, minha prima e a minha tia menina. Colocar os chinelos como trave de gol, brincar de Mulher-Maravilha com a minha irmãzinha e laçá-la com o laço da verdade. Queria roubar Chantibon do congelador com ela. Queria ouvir minha mãe chamando para tomar banho, porque nossos “pescoços já faziam um cordão de caraca”.

Neste natal, não terei minha mãe a me conferir as orelhas, nem minha madrinha a me pentear os cabelos, nem minha irmãzinha a pegar na toalha e fazer de capa de super-herói depois do banho, nem minha irmã maior a reclamar porque eu tinha roubado a roupa da Susie dela e colocado na minha, nem a minha avó a me dizer: “dorme aqui, vai embora amanhã”. Mas este será mais um natal. Diferente e igual. Fará parte do cardápio de natais memoráveis. Onde nem todos estarão juntos, mas para onde todos os corações estarão voltados. O meu já lá está. Feliz Natal!

Às minhas filhas, que construam natais ainda mais fabulosos que os meus. 
Verônica Vidal

sábado, 24 de outubro de 2009

Vou pintar minha casa de verde e amarelo

Ai, como a vida é difusa e confusa! Porque se espalha deliciosa e tempestuosamente por todos os lados. Confusa porque ora estamos radiantes e desejosas de cheirar todas as florzinhas do jardim, ora estamos dispostas a morrer ao raiar do dia. Será mesmo assim a vida, ou serei eu, com os meus dois lados  femininos, difusa e confusa? Ando mesmo numa onda de romantismo sem remédio, delicioso romantismo desenfreado que me tomou de assalto desde o dia em que aportei no Cairo. Ora, pois é. Pisei meu doce pé na África, pela primeiríssima vez. patinhei nas águas do mágico rio Nilo respirei a poeira das tumbas dos faraós. Voltei assim: Contaminada de romantismo e grandiosidade. Vi mulheres cobertas de lenços e túnicas, mais sorridentes do que as nossas passistas nuas com tapa-sexos. Ouvi os chamados para as orações desde as 4 da manhã, e não ouvi os gritos surdos dos nossos filhos drogados por cola e crack, que às 4 se vão deitar no banco da praça e nos bueiros das cidades. Voltei enxergando o nosso mal hábito de apontar o dedo para a ferida alheia, sem sequer lavar a nossa própria chaga. Isso me lembra a história do cisco no olho do outro e da trave no olho do um. Mal. Como eu posso condenar o tratamento dado à mulher do meio oriente, porque ela se cobre - ou deve se cobrir - quando eu exponho a minha como carne no açougue? Quem é exatamente explorada, humilhada, vendida? Não venho cá defender burcas, até porque falamos aqui do Egito, e burca não faz parte da roupa tradicional da mulher egípcia, e sim da árabe beduína e outras tantas. Venho sim, condenar a escravidão que nós passamos, pela ditadura da beleza e da nudez. Triste ver que nossas meninas desejam antes de tudo participar do novo concurso de miss que é o Big Brother, para de lá saírem vencedoras de uma página central na PlayBoy. Lamentável perceber como reclamamos que do outro lado do mundo a mulher é tratada como objeto, enquanto deste nosso lado as mulheres fruta imperam gloriosamente peladas pelas páginas e telas, vendendo não sei o que. Somos hipócritas, somos promíscuos.

Lamentavelmente tenho vivido num país tremendamente racista. Todos dizem que não o são, entretanto lidam mal com a raça negra, por eles chamados "os pretos". É coisa tão enraizada por aqui, que eles mal percebem os absurdos que falam. Há poucos dias, falávamos numa mesa de almoço sobre Angola. E um pobre de alma abre a boca para vomitar a seguinte pérola: "É pena que aquilo é explorado pelos pretos. Se fossem os brancos, Angola seria uma potência". Imediatamente atirei: "Portugal foi colonizador de Angola durante quanto tempo? Porque não a tornou uma potência?" Enfim, coisas como estas, tenho cansado de ouvir por aqui. Enoja-me. Ando cansada do ser humano pequeno, do ser humano pouco humano. Já não tenho mais o desejo de mudar o mundo e lutar contra a desigualdade e injustiça. Já tenho vontade de simplesmente sair, deixar o pobre de alma a falar como se superior fosse,  vê-lo ir à banca comprar uma Playboy, ligar para a amante, e dizer, orgulhoso, que uma barragem qualquer em Portugal é a maior do mundo. Vou para casa. Pintá-la de verde e amarelo.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

ÀS VEZES ATIRAMOS NA ANDORINHA E ACERTAMOS O SABIÁ

. Já disse que detesto homem snobe? É, acho que sim. Sabe, aquele sujeito metido a mais que todo mundo? Metido não, ele realmente se acha mais do que nós, pobres mortais. Seja porque estudou um mês ou dez anos a mais, seja porque ganha dez ou mil euros a mais ou porque é mais alto ou sei lá porque cargas d’água, um sujeito resolve que é mais e pronto. É claro que, se estou por cá a escrever isso é porque encontrei um dito cujo exactamente assim. É alto, lá pelos seus cinquentinha, baloiça ligeiramente seus fartos cabelos grisalhos quando fala, ciente e consciente de que é bonitão. Gosta de ser chamado de doutor. Noto bem que ele dá aquele meio sorriso e aquela estufada de peito quando uma desavisada amiga diz: “Senhor Doutor”. Eu cá comigo, de início, achava que usavam deste artifício porque simplesmente não se lembravam do nome do moço. Mas não. O Senhor Doutor gosta de ser assim chamado. Seja feita a sua vontade, e economizemos os nossos neurónios a fim de os utilizarmos em coisas mais importantes, como decidir qual será a cor do esmalte a ser usada neste fim-de-semana.

Euzinha, com toda a sinceridade, até que, a princípio, fiquei ligeiramente balançada pelos olhos azuis do sinhô doutô. Sabe como é… nem sempre são os neurónios que falam mais alto, dependendo do tempo da seca, qualquer nuvenzinha mais escura nos parece um temporal. Que atire a primeira pedra a mulher que nunca se encantou por um homem que tivesse um saco vazio no lugar do cérebro. Esse tipo de homem é até necessário, podemos usá-los para testar o nosso poder de sedução, podemos até sair com eles de vez em quando para fazer inveja às amigas. O problema é que essas coisas falam. E daí… puff! Lá se vai todo o encantamento! Eles falam e falam e não falam nada. E se repetem no nada falado. Não satisfeitos com o vazio deixado por suas palavras, falam mais e mais e dizem menos e menos. Provavelmente falam tanto porque amam o som da sua própria voz. Tanto que até mesmo nem percebem a nossa cara de enfado e até o leve ressonar que damos durante as conversas travadas com eles. Conversas essas, é claro, que viram monólogo. Dá um soninho…

Entretanto… como a vida não é feita só de senhores doutores e eu sou mais adepta a um estilo estivador do cais, não é que, durante uma das minhas cochiladas - tiradas durante as desinteressantes conversas com meu ex-encanto – eu me deparo com um vislumbre de cabeça masculina pensante? É facto certo que, uma vez que dantes a minha nova vítima só pensava e nada falava, eu só consegui perceber que este monumento existia depois de já estar enfadada do sinhozinho, cuja falta de assunto me havia tirado quase toda a paciência.

Agora, meninas, retomo meu fôlego e vou à luta, já que esse bad boy tem cara de mau, mas me olha melhor, me cheira melhor, me ouve melhor e, bem, vamos ver até onde vai essa história.


Penélope

domingo, 13 de setembro de 2009

Penélope Borralheira

cinderelanaescada.gifDia dos namorados e cá estou eu, somente com um dos sapatinhos de cristal calçado no pé esquerdo. A Cinderela aqui ainda espera o príncipe descobrir que, debaixo dessa fuligem há uma princesinha lindinha que viverá feliz para sempre com ele. 


Pois é, mas acho que minha história está mais para Chapeuzinho Vermelho do que para Cinderela. O problema é que nem lobo para comer a Chapeuzinho tem. Quer dizer, ter até tem, mas é cada lobo mal parado que nem daria para comer a vovozinha, que dirá a Chapeuzinho aqui.

E ainda há quem diga que eu não tenho do que reclamar. Minha caixa postal vive cheia. E lá vou eu, sempre ansiosa para abri-la quando me deparo com aqueles famigerados e-mails do vizinho casadíssimo, barrigudíssimo e obviamente horroroso enviando páginas de todos os sites romanticamente melosos que vêm ao som do pior de Roberto Carlos. É sempre aquela frase maldita que causa arrepios: “Fulaninho viu este site e resolveu mandar para você” ou: “Fulaninho deseja enviar-lhe flores” e lá vem a página de rosas vermelhas que leva 15 min para sair do computador. Isso quando o maldito não manda os repasses de arquivos em power point que travam o troço. Ele deve mesmo me odiar. Eu deveria ter dado logo para ele só para que ele me deixasse em paz. Fico me perguntando: "Porque, mas porque, tem sempre um infeliz deste na minha cola e os bonitões e gostosões nem aparecem? O que eu fiz de errado para merecer isso?"

Pensando bem, é melhor nem perguntar pois vai que a resposta vem e eu recebo pela
cara todas as coisas estúpidas que já fiz em matéria de caçar o sexo oposto.


 É, fazer o quê? Vou comprar um pote de sorvete e alugar um DVD. Vou beijar o primeiro cara que aparecer. Não. Vai que é o famigerado vizinho? Já sei: Vou beijar o primeiro bonitão que aparecer. Vou dar logo para ele antes que ele se recupere do susto. Vou seqüestrá-lo e abusar sexualmente dele. Não, vai que o sujeito dá queixa e isso dá cadeia. Eu ia viver o resto da vida cercada de mulheres. Ai, socorro! Acho que estou desesperada.


Penélope - mulher solteira procura (ou implora, o que der mais resultado.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Retrata-me, Boticelli!


Ai,ai.. Tenho cá um fraco por cabelos grisalhos. Sempre tive.
Bem, “sempre” é meio muito, mas, digamos assim, desde antes dos branquinhos aparecerem na minha cabeça, eu já admirava os cabelos prateados de alguns homens. E assim, volto a pensar que a ditadura da moda e da beleza que nos é impingida foi criada com o intuito mórbido de nos sacrificar.

A voz da mamãe ainda ecoa na minha cabeça quando então me penteava os cabelos: Não chore. Mulher pra ficar bonita tem que sofrer!

Fui a uma clínica de estética marcar uma “depilação definitiva à luz pulsada” – ou qualquer coisa parecida com isso. A primeira notícia não era ruim: Não dói nada – Garantiu-me a especialista. Depois disse que eu deveria depilar a região com lâmina. Pensei: E depois, quando começar a nascer? Vai coçar horrores! Pensei e perguntei. Ela garantiu que não, que os pelos nasceriam fininhos. Como o objetivo era me livrar dos pelos indesejáveis lá daquela região onde normalmente não bate o sol, a preocupação fazia todo o sentido. O que não fazia sentido era o investimento financeiro que se há de fazer para isso. 55 € por sessão, com a oferta de uma grátis, no clássico estilo leve dois e pague um. Já que eu só tenho uma periquita, pensei no que faria com a minha sessão de oferta, mas antes de fazer a pergunta idiota, a mocinha prontamente me respondeu: Ah! Não basta só uma sessão, claro. Pois é, a coisa anda mesmo moderna. Mulher, para ficar bonita ainda sofre. Mas é diferente. É no bolso.
Já que é dia de arraso mesmo, precisava desabafar cá uma coisinha: Quero assassinar o treinador da academia que freqüento. Motivo: Chamou-me de gorda. Assim se desenrolará a minha defesa: O sujeito, com pouco mais que metade da minha idade, queda de cabelo pronunciada e um jeitinho simpático que nos impede de xingá-lo, insistentemente me telefona para marcarmos uma maldita avaliação – explico: depois de 1 ano no ginásio, segundo ele, eu deveria fazer a tal avaliação. Caí na esparrela e concordei. Depois do pesa-mede pra lá e pra cá, o guri dá-me o resultado: “Você está gorda! Não deveria estar pesando X e com flexibilidade Y, com massa adiposa M” e um sem fim de nomes e técnicas que só serviram para me deprimir e me deixar com uma vontade enorme de mandá-lo enfiar aquela parafernália toda no fundo do seu orifício excretor. Como sou boa menina, não fiz isso. Fiz cara de paisagem e fui para a esteira, amaldiçoando o dia em que o infeliz nasceu. Odeio pessoas que adoram se exercitar. Daquelas que acordam numa manhã de sábado, de camiseta e shortinho, prontinhas para correr no calçadão, enquanto você se enrola ainda mais nas cobertas dando graças por dormir mais um pouquinho? E as que suam nas aulas de spinning? Eu não dou duas rodadas naquela porcaria. Aliás, para mim, a série Sex and the City seria perfeita se aquelas atrizes não fossem todas tão forçosamente magras. Pelo menos são feias, o que já é um alento. Cada dia detesto mais e mais ser boa menina.
É. Gostaria que voltássemos à moda renascentista, quando as mulheres eram fielmente retratadas por pintores clássicos, que chapinhavam pincéis em tintas e nossas maravilhosas curvas e celulites ganhavam ares de perfeição. Se eu gosto dos cabelos grisalhos, porque eles não haveriam de gostar das nossas curvas renascentistas? Por que razão eu devo dar ouvidos a um fedelho com metade da minha idade? Sei lá. Mas eu tenho que me despedir. Tá na hora de ir pro ginásio.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Marcianos X Venusianas

Homens reclamam constantemente que nós, mulheres, somos complicadas. Eles têm razão. Muita razão. Somos seres complexos, pensamos demais. Quanto mais estudamos, mais inconstantes ficamos, mais padecemos de alterações de humor, mais solicitamos, mais damos, mais queremos, mais, mais, mais. Homens são mais fáceis, assim imagino. O clube perdeu? Mau humor. O clube ganhou? Bom humor. Há sexo? Bom humor. Não há sexo? Dorme. São fáceis. Comparar homem e mulher é como comparar um protozoário a um ser humano – não digo isso aqui para denegrir os homens, mas para comparar a simplicidade de um organismo à complexidade do outro.
Ver imagem em tamanho real O dia a dia de um homem é simples e rotineiro. Levanta, faz a barba, não toma café da manhã e sai com uma xícara de café ainda a engolir. Chega ao trabalho, faz o que há para ser feito, vai ao café ao lado e come qualquer coisa, volta ao trabalho, almoça, mais trabalho, chega a casa, toma banho, janta em meio a notícias, futebol e cama. Se há sexo, há, se não há, dorme.
O dia a dia de uma mulher é: Levanta, toma banho, tonifica e hidrata o rosto, maquilha-se, hidrata o corpo, seca o cabelo, prepara o café da manhã com: café, fruta, granola, mel e iogurte. Guarda o que ficou espalhado da noite anterior e lava a louça do café. Coloca na bolsa a água com fibras, o lanche do meio da manhã e vai trabalhar. Trabalha, certifica-se que bebeu 1,5 l. d’água durante todo o dia, lancha a barra de cereais que trouxe na bolsa, pois o café ao lado tem um cardápio a pensar em homens, almoça uma sopa em 15 min. a fim de aproveitar o tempo para arranjar as unhas – ou as sobrancelhas, ou os pés, ou a depilação, ou ir ao banco, cada dia é separado para um fim – mais trabalho, ginásio, casa, preparar o jantar, jantar, separar a roupa para lavar, separar a roupa que vai vestir no dia seguinte, molhar as plantas, escovar os dentes, lavar o rosto, tonificar e hidratar a pele e cama. Se há sexo, pergunta-se: Estou muito gorda? Meu peito está caído? Ai, essa minha barriga não desaparece nem por decreto papal! Porque será que ele passou o dia todo sem nem me ligar? Deve ter outra. Certamente tem outra. É nisso o que ele pensa o dia todo. Estou gorda. Se não há sexo, pergunta-se: Estou muito gorda? Meu peito está caído? Ai, essa minha barriga não desaparece nem por decreto papal! Porque será que ele passou o dia todo sem nem me ligar? Deve ter outra. Certamente tem outra. É nisso o que ele pensa o dia todo. Estou gorda.
Isso tudo me lembra a história dos ciúmes. Na América, terra das pesquisas e estatísticas, determinaram que as mulheres são mais ciumentas do que os homens. Sim, determinaram, digo eu, pois eu lá sei se essas pesquisas são ou não válidas e o quanto de sinceridade foi utilizado ao respondê-las. Confesso que eu tenho uma certa preguiça em personificar o protótipo da mulher ciumenta. Vasculhar bolsos e cheirar roupas não faz o meu estilo. Já basta ter que colocá-las a lavar, ainda tenho que vasculhar bolsos? Eu sofro de enxaqueca, não estou aqui para ficar cheirando roupas. Meu tempo é curto e, com o pouco que me sobra, prefiro gastá-lo a ler um livro. Tudo isso para dizer o que? Que, com tantas coisas que uma mulher tem a fazer no seu dia a dia, tenho cá as minhas dúvidas em relação a essas pesquisas norte americanas.
Tenho uma amiga que deixou o terceiro marido há pouco tempo. Às vezes lamenta o fato de agora estar sozinha, à beira dos 50 anos. Eu, pessoalmente, ainda prefiro estar sozinha aos 50, disponível para um príncipe, do que ficar 10 anos acompanhada de um estorvo e perceber que neste aniversário completo 60 anos. É claro que, à medida que o tempo passa, nosso ideal de príncipe precisa ser adaptado. É preciso esquecer os abdómenes tabletes e ficar feliz com uma barriga saliente, deixar de lado a preferência por loiro ou moreno e aceitar uma pronunciada calvície. Em contra-partida, há mais chances de ser sorteada na mega lotaria do sexo e ganhar um mestre nas artes da alcova. E isso, já é bem mais difícil de encontrar entre os príncipes de vinte e poucos, desses que estampam as revistas e fazem comerciais de cuecas. Enfim, um brinde ao terceiro divórcio. Espero que estejamos juntas para podermos brindar ao seu quarto casamento. Vou molhar as plantas.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Mamãe Super Poderosa

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Minha mãe tinha poderes especiais. Acho mesmo que era uma super-heroína disfarçada, com identidade secreta e mãe. Hoje fico a pensar em como ela se desenrascava com casa, 3 filhas, escola, marido, educação das filhas, orçamento apertado, etc, etc e etc. Mudamos de casa umas poucas vezes. Nasci em Jacarepaguá mas de nada me lembro desta época. Era ainda bebê quando nos mudamos para uma casa de vila na Abolição. Lá vivi minhas primeiras aventuras infantis. Construí meus primeiros castelos, iniciei minha vida social na pré-escola do bairro. Foi naquela casa e naquela pré-escola que aprendi a ler e a escrever, aos quatro anos. Não me lembro bem como, mas fui aprendendo, conforme minha irmã, de 5, vinha sendo alfabetizada, eu pegava carona no seu be-a-bá e acabei por ler também. Nunca tive cartilha, mas me lembro da mamãe tomando as lições da minha irmã. Tive sorte. Minha tarefa era somente cobrir ou pintar. Naquela casa aprendi a derramar o Nescau no ralinho da pia sem salpicar uma gota, para que mamãe nunca desconfiasse que eu não tinha tomado o leite todo. Naquela vila eu e minha irmã, junto com minha tia menina colocamos nossas primeiras unhas postiças, feitas de pétalas de maria-sem-vergonha, que crescia numa touceira, no quintal da vizinha. Colávamos as pétalas com saliva e assim ganhávamos imensas unhas postiças, já bem pintadinhas de cor-de-rosa.
E minha mãe, com poderes especiais, tinha sempre um lanchinho pronto à hora certa. Cinco da tarde era hora de lancharmos, e lá estava o pão, ou o bolo, ou os biscoitos retirados de uma enorme lata de alumínio que morava em cima do armário – bem longe das nossas mãos, pois senão o cardápio diário seria biscoitos do café da manhã ao jantar.
Não havia aniversário sem festinha. E festinha de aniversário para a minha mãe, tinha que ser especial. Com lembrancinhas feitas de isopor, confeccionadas em casa, docinhos e salgadinhos, nenhum encomendado. Nossa casa se transformava numa verdadeira fábrica de fazer festas, meses antes, quando os enfeitinhos eram então preparados. Vovó ia invariavelmente lá para casa, no dia da festa bem cedinho, e fazíamos cajuzinhos. Mamãe confeitava o bolo, com o saco de confeitar e seu inseparável bico pitanga. Cada festinha tinha um tema diferente, um personagem diferente e não se poderia repetir. Com 3 filhas, eram 3 festas de aniversário por ano. Tivemos Chapeuzinho Vermelho, Moinho Holandês, Festa Junina, Branca de Neve, e um sem fim de personagens que desfilavam pela casa depois das festas e se iam estragando aos poucos, à medida das nossas brincadeiras e fantasias. Alguns, eram delicadamente guardados numa sacola grande, como lembrança última, feito um tesouro, e, vez por outra, nos era permitido fuçar o saco das lembranças, que ficava a salvo das nossas mãos destruidoras, em cima do guarda-roupa.
O tempo passou e das festinhas restaram algumas fotos. Minha mãe ainda fez algumas festinhas coloridas para minhas filhas, mas eu não herdei dela os poderes especiais de conciliar tanta coisa e tudo sair perfeito. Já vivia então na época do “comprar pronto”, dos kits festinha e depois do festinha nenhuma, da celebração num restaurante, enfim, cortei muito da magia dos aniversários das minhas filhas. Mamãe se foi e com ela levou sua fantástica fábrica de festinhas. Definitivamente não tenho poderes especiais. Não conseguia manter a casa impecavelmente limpa e as latas de mantimento semanalmente areadas com Bombril, na minha casa nunca brilhariam. Não sei fazer a pizza de sardinha de massa alta aos sábados, nem o pão-de-ló molhado com calda de abacaxi. Nunca aprendi a confeitar um bolo e nem tenho bico pitanga. Minhas plantas morrem. Todas. Eu tive uma mãe super-poderosa. Talvez a kriptonita da minha vida tenha enfraquecido os meus poderes, ou nunca os tive mesmo. Desculpe, filhas.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

UMA GRANDE MULHERZINHA

Gosto de corações cor de rosa. Queria ter sido bailarina. Gosto dos vestidos de época que apareciam na novela A Moreninha. Gosto de ursinhos e bonecas. Gosto de ser mulher. Gosto de coisas de mulherzinha.

Mulherzinha para mim não é pejorativo, é grandeza e não diminutivo. É ser forte e delicada. Minha tia preferida me dava presentes de mulherzinha. Ela me deu minha primeira melissa. Quem tem 30 ou 40 anos sabe a importância que tinha uma melissa para uma menina mulherzinha. Acho que foi a única que eu tive, não me lembro. Mas se tive outra, certamente aquela foi a mais importante. Era a melissa zig-zague com purpurina. Natal, aniversário, qualquer data eu ganhava um presente e era sempre aquele que eu queria. Um pouco mais adiante, passei a usar, escondido, sua maquiagem. Abria a porta do armário e, diante do espelho grande usava tudo: batom, lápis, sombras. Lavava tudo depois pra ninguém descobrir, mas passei séculos fazendo isso. Só hoje percebo que ela sabia, mas nunca brigou comigo. Ela me deixava ser mulherzinha. Eu também queria, como ela, cozinhar a comida mais gostosa e chegar à festa sendo a mais bonita. Nunca consegui de verdade. Aprendi a cozinhar, mas não sei ainda fazer as duas coisas. Ou bem cozinho ou bem me arrumo para a festa. Mas um dia, um dia... Serei igual à minha tia.

Ela é minha madrinha, mas logo tive que dividi-la com a metade da família. Secretamente eu odiava os abraços que ela dava nos meus primos, que a chamavam de “dindinha”. Socialmente eu tinha que me comportar, por isso não falava nada, mas desejava ardentemente que fosse criada uma lei para revogar batizados de madrinhas já usadas. A madrinha era minha e ninguém podia ficar pegando o que era meu sem minha permissão. E eu não dava permissão. Nem dou. Não é ciúme, é direito adquirido. Dividir mãe e pai com irmãos ainda vá que vá, mas dividir a madrinha? Que os outros catem madrinhas exclusivas, parem de aliciar a madrinha alheia!

Mas o tempo passou e eu não posso mais sentar no seu colo nem ela pode mais pentear meus longos cabelos embaraçados sem doer. Quando eu era pequena, ela me parecia adulta, muito maior do que eu. Se tiver a oportunidade de conhecê-la, verá que não exagero. Ela é sofisticada e simples. Sabe tudo e sempre está aprendendo. Sorri e chora ao mesmo tempo. Hoje, a diferença de idade sumiu. Falamos as mesmas coisas, amamos o mesmo Deus, respiramos o mesmo ar. Ainda acho que Deus a criou para ser a minha mãe, mas ela demorou muito para nascer, então nasceu minha tia. Por que, quando eu crescer, vou ser igualzinha a ela. Uma grande mulherzinha.





Verônica Vidal, afilhada de Gisele Carvalho, ambas filhas de Deus e que gostam de canetas bonitas e laços de fita. Peço encarecidamente que parem de convidá-la para ser madrinha de seus filhos. Ela não pode, está ocupada. Por favor, deixe o seu recado após o sinal. Bip.

Quero visitar sem ter motivos, telefonar sem ter assunto. Quero aproveitar o tempo com pessoas.

Hoje percebi que cresci. Percebi que nalgum dia desses tornei-me adulta e nem vi em que dia foi.

Minha avó casou-se muito cedo, como era costume na época, e teve 3 filhos, dentre os quais o meu pai. Enviuvou, como era comum na época. Casou-se de novo e teve mais filhos – não resisti a dizer que também era comum na época, e arrisco a me tornar repetitiva e o leitor achar que não tenho assunto, mas vá lá, sou mulher, gosto de detalhes. Meu pai era o segundo filho. Casou-se e teve filhas, eu inclusive. O irmão dele, terceiro filho da minha avó casou-se e teve filhos. Quem tem família numerosa sabe bem do que eu falo. Tudo isso para dizer que eu e minha prima, filha do filho número 3 da minha avó, éramos muito próximas. Mas muito, muito mesmo. Tínhamos muitos primos, mas ela era a minha preferida, tinha 1 ano a menos que eu e tinha coisas que eu gostaria de ter e amigos que eu gostaria de ter. Tinha cachinhos no cabelo que eu gostaria de ter. Passamos toda a infância juntas, festas de aniversário, natal e ano novo, que naquela época não se chamava Reveillón, e ainda parte de boas férias. O mais interessante mesmo era as visitas de fim-de-semana, inesperadas, quando brincávamos à tarde. Foi na bicicleta dela que aprendi a dar as primeiras pedaladas.

Crescemos e, como é esperado, nos afastamos. Cada uma tomou sua vida de acordo com o rumo que nossos pais adotaram. A vida dela foi breve, um sopro. Mas para mim foi sempre a minha prima mais prima.

Num dia de tão pouca importância para mim, talvez a meio da adolescência, soube que a mãe dessa minha prima estava grávida. A raspa do tacho, como se dizia. Nasceu-lhe o bebê, uma menina. Não a vi crescer, pouco falei com ela. Nunca fui visitá-la, pois já vivia a vida de uma mulher de muitas responsabilidades e tinha prioridades e horários tomados. Algumas vezes passei pelo seu bairro, pela sua rua até. Mas nunca toquei à porta. Faltava-me motivos para isso. Como se precisássemos de motivos para tocar à porta da casa da prima. A única coisa que eu sabia dela é que era parecida com minha prima favorita. E bastava.

Até que sua mãe morreu. Morreu minha tia, que fechava o ciclo da minha infância querida com a minha prima. Morreu minha tia, depois do meu tio e depois da minha prima. Por alguma razão que a gente não entende, a partida da minha tia foi a mais doída, somente comparável à partida da minha mãe. Fui ao velório. Vi minha prima, menina ainda, grávida, chorando pela terceira vez a perda de um alguém. Ficou-lhe o irmão, adulto, homem feito. Ficou-lhe o namorado, que entretanto, ainda construía história. Ia-lhe o chão.

Chorei a morte da minha tia sozinha em casa, porque os laços que nos prendiam já se haviam desatado, naturalmente ou não. Pela vida, pelo vento, pelo meu desleixo.

Estranhamente notei que cresci. Essa minha prima, já não mais menina, casou-se. Ainda que tivesse experimentado a maternidade e a convivência conjugal, só acordei para a sua passagem à vida adulta ao ver suas fotos de casamento. Eu por cá, do outro lado do mundo, observei-as, uma a uma. Fotos de sonho, de princesa no cavalo branco, de príncipe à espera. Uma frase me acordou para a realidade. Ao descrever uma das fotos, diz ela: “Minha tia, representando minha mãe”. Pensei nas férias em Iguaba, e das quantas vezes a minha tia representou a minha mãe.

À memória da Tia Tete