segunda-feira, 7 de novembro de 2022

É um vazio que ocupa imenso espaço

Não nos despimos do luto, ainda que não nos vistamos de preto. 

Não nos despimos do luto, ainda que celebremos a vida. 

Nosso luto fica cravado na alma, acumula-se junto às outras perdas dolorosas. A dor da perda não é mensurável, não pode ser comparada, não dói mais em mim do que em ti. Nascemos para a vida eterna e é simplesmente natural que não aceitemos a morte. O amor sobrevive ao fim da carne, ele continua mesmo após o último suspiro do ser amado. E não o teremos mais conosco.

Somos massa maleável, moldados por tantas coisas na vida. Nossos pais, o ambiente em que crescemos, a sociedade em que vivemos, a escola que frequentamos, os livros que lemos, as músicas que ouvimos, as pessoas que cruzaram os nosso caminhos, cada um, cada pequeno evento ajudou a construir o que somos hoje.

A minha avó foi uma grande influenciadora na minha vida. Com ela aprendi que choramos o que temos que chorar, porque amanhã a vida nos trará algum motivo para comemorar. Aprendi mas pouco usei. Sou egoísta, queria-a para sempre. 

Dela eu ouvi a primeira história do casamento da D. Baratinha. E foi a sua versão da história que eu contei para as minhas filhas e para os meus netos. Ainda sinto o cheiro e o sabor das empadinhas de queijo que só ela sabia fazer. Mentira, minha mãe também sabia, mas era receita da vovó. Talvez eu me agarre a uma meninice que todos sabemos que nunca mais voltará, mas assim é e eu não quero me soltar. Quero dormir e acordar com as lembranças do convívio com a minha avó. Das tardes ensolaradas e de brisa fresca nas areias de Iguaba. Das noites de Natal e do especial do Roberto Carlos, do relógio a badalar as doze horas e de toda a gente a se abraçar. Das festas juninas com o mesmo disco a tocar sem parar e os primos a acender o balãozinho japonês.

E disseram-me, com aquela tranquilidade de quem não se importa, que a minha avó já havia vivido por 101 anos. Que era muito. E disseram-me que eu sou adulta e vivo longe, e que isso era bom, diminuiria o meu sofrimento. E meu egoísmo não me permite pensar assim. Minha avó não tinha idade nem distância, tinha uma presença etérea que não se desfazia. Eu não herdei a sua força. Eu não herdei a sua capacidade de superação. Eu quero me enrolar debaixo dos cobertores e chorar a sua partida. Eu tenho 55 anos e não tenho avó, não sei o que fazer.

A morte da minha avó dividiu-me em duas: Na mulher forte que quer honrá-la e brindar a tudo o que foi a sua maravilhosa vida, e na menina pequena, órfã, perdida e sem rumo. Sei que hei de passar por mais esta perda, que hei de sorrir e de chorar e que só as boas lembranças ficarão, porque este é o preço que a vida nos cobra.

Verónica Vidal