quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Beijos no Espelho

Já fui romântica, tipo suspiros no travesseiro. Já beijei meu próprio braço, imaginando o meu amado. Tá certo que, naquela época, o amado era substituído semanalmente, mas lá no fundinho era sempre o mesmo. Mudava de rosto, mudava de cor, mas a alma era a mesma. Já beijei o espelho – sem batom, é claro. Isso é coisa de filme, na minha casa era sentença de morte ditada pela Dona Lina. Já fiz de conta que eu era a mocinha do filme.

Hoje sou bem mais prática. Já não beijo o espelho – até porque sou eu quem o limpa! Mas leio Neruda e me proíbo não demonstrar amor, não criar a minha história e não viver a minha vida como se fosse o último suspiro. Um dia, eu acertarei em cheio mesmo! Já não beijo o meu próprio braço, porque o amado já lá está. É a mesma alma, que amei desde a infância, embora os rostos de antes tenham se fundido numa só face hoje.

Já não o quero para mim a todo o custo, porque meu já é. O amor é meu, ninguém mo pode tirar. A serenidade e a paz que o amor traz são erroneamente confundidas com o fim da paixão. O amor não é o resquício da paixão, ele nasceu amor e, ao contrário da outra, não esmorece com o tempo. Antes cresce, cimenta admiração, concretiza pontes de ligação eterna. E este amor tão pouco versado nos contos e poemas, é aquele que quase se pode apalpar, que pontilha a vida de cuidados, que busca a lenha para me aquecer, no frio sibérico que faz por estas terras. Nas coisas mais corriqueiras do dia, mora o amor. E vive ainda no desejo sem pressa, na leveza do riso, na companhia calada.

E, na lista que fiz com o nome dos homens que eu amei, risquei cada um, e escrevi o teu por cima. Só hoje entendo que amei sempre e sempre o mesmo. Amei o amor. E não é que te tenha encontrado, mas sim, que te tenha reconhecido.

Verónica Vidal


**Ao meu marido, cujo amor que tem por mim, faz-me amá-lo cada dia mais.