terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Chore um Rio

Eu queria não escrever a respeito da tragédia que se abateu sobre a região serrana do Rio de Janeiro. Mas não consigo. A sensação de impotência não reside apenas nas bocas escancaradas diante das imagens veiculadas na televisão, dos corpos emergindo da terra lamacenta, sendo apresentados aos seus amigos e parentes para reconhecimento, mas nas caras de desespero ante a perda de absolutamente tudo, na desesperança de quem já viu cenas como essas, testemunhos como aqueles, ano após ano, em Angra dos Reis, no Morro do Estado e no morro do Bumba em Niterói. Isso apenas para recordar o último ano. Quantas vidas ainda mais terão que ser sacrificadas para que o país acorde? Quantas famílias que perderam suas casas no morro do Bumba, no verão de 2010 ainda estão em abrigos?

Por aqui há quem compare as cheias da Austrália com a tragédia do estado do Rio de Janeiro. Só quem nunca esteve num ou noutro canto pode fazer tal comparação. O que vemos no Rio é o resultado de um descaso total, de um descaso com a vida humana, com a natureza, com os valores sociais mais básicos. A permissividade do poder público, a apatia de um povo esmagado cada vez mais pela impotência ignorante que assola o país. Temos vendido a imagem de um país rico, próspero, olimpíadas, festas, mundial de futebol. E de repente a enxurrada lava a nossa cara enfeitada de verde e amarelo e nos faz deparar com o lamaçal do descaso público. Tristes e envergonhados, lançamos mão da solidariedade, mandamos dinheiro, água, pão, nossos braços e nossas lágrimas. Dobramos nossos joelhos e oramos, pedimos cura e paz. Não ressuscitaremos mortos. Não temos o poder para parar as chuvas. Mas temos o poder de impedir a inércia das autoridades, que não investem no mapeamento das regiões suscetíveis a deslizamentos e principalmente, não retiram moradores das regiões de risco. Sim, antes de retirarem defuntos. Temos o poder de cobrar.

Verónica Vidal

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Eu não Falo a Língua dos Anjos

Meus cachinhos dourados encantavam a quem passava. Impossível não parar, não mexer, não brincar comigo. Era fofa. Tinha aquele amor incondicional que só os bebês têm. E distribuía sorrisos sem seleção. Eu queria um colinho.

"Fui pá sacola tudá". Foi a minha primeira expressão de vínculo social e responsabilidade. Fui para a escola estudar. Mas dormia. Porque naquele momento estudar não era prioritário. Dormir sim. E desde sempre eu soube a que era importante na vida. Importante era o colinho.

E cresci por uma adolescência revoltada por tudo e por nada. O mundo estava de mal comigo, meu sapato não combinava com o meu vestido. Lá além da esquina era pura explosão de sonhos, e tudo o que eu queria era viver a promessa do sonho. Queria ter pernas compridas para caminhar mais rápido. Queria ter braços enormes para abraçar o mundo. Minha casa era a prisão. Eu era maior do que eu mesma, meu corpo era alienígena. A inquietude e o desespero se instalavam com tentáculos cada vez mais poderosos. Tomei decisões. Arrependi-me das decisões. Voltei atrás. Perdi o caminho. Procurava o colo.

Fechei a porta da revolta, abri a janela da vida. Botei o pé na estrada para conhecer outros mundos e voltei para casa. Porque hoje minha casa é o meu refúgio, o meu castelo. Começo agora a arar a terra para semear futuro. O trabalho das minhas mãos determinará se meu campo terá flores. Tento dizer a mim mesma que certamente dará flores e frutos. Caminho vacilante, sinto mãos que ainda me apoiam. Estou aprendendo a andar. De vez em quando, quero colo.

Tenho 20 anos. Eu não falo a língua dos anjos. Mas tenho muito amor, e é isso o que vale.

Verónica Vidal

À minha filha Thaissa que, com toda a sua inquietude, faz chover amor.

sábado, 1 de janeiro de 2011

O Ano do Lobo Mau

Hoje é o primeiro dia do ano. Ainda estou na minha preguiça social, onde todo lugar bom é o lugar onde eu não estou. 2011 é ano de crise. Fala-se da crise como se ela fosse um personagem, o lobo mau da história. Crescemos em tamanho mas continuamos crianças no coração, na cabeça, nas atitudes. Não pensávamos em crise quando decidimos comprar o LCD em 24 vezes nas Casas Bahia. Também não se falava na crise quando entramos no financiamento do apartamento novo, lindo, um charme, uma pechincha, e que levava 60% do salário meu junto com o do meu marido. Para aprovação do crédito, papai foi meu fiador. Claro, se não fizermos assim, não teremos nada nunca! Aquela história de guardar moedas no cofrinho, ensinada pela minha mãe, e esperar juntar até ter dinheiro suficiente para comprar o disco novo, a bijoux da loja? Não, isso é coisa de criança. Hoje, eu cresci e faço um financiamento bancário. E se eu perder o emprego? Se eu me separar do meu marido? Se tivermos alguma doença? Se nascer um filho? Não, isso depois se vê. Afinal, ainda me pode sair o Euromilhões. E vem a crise. O lobo mau, para atrapalhar os planos da Chapeuzinho Vermelho que queria pegar o atalho para a casa da vovó.

E lá vamos nós, consumidores de cores embevecidos pelo emocionante brilho dos shopping centers, passar o cartão de crédito que nos dá 40 dias sem juros para pagar. Precisamos de um vestido novo para a virada de ano. Um vestido branco, que nos traga paz. Uma calcinha amarela, que nos traga dinheiro e lá uma coisa vermelha ou cor de rosa, pois amor e paixão nesta vida são essenciais. Queria mesmo poder comprá-los numa loja a pagar em 40 dias.

O que eu faço com um mundo que deixou de ser meu? Como dizer para o meu coração que sou mulher sem raízes, e que no lugar onde eu estiver, ali será o meu reino? Não tem como. Meu coração é surdo e teimoso. Teima em sentir saudades de casa, saudades de mim. Teima em me dizer que o eu hoje é um eu fingido, um eu inventado, como a planta que mudamos de lugar e reclama, amarelando as folhas e negando flores mas ainda assim, é uma planta.

Verónica Vidal