sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Quero a Minha Avó só para Mim

*** E ainda garimpando, encontrei este texto, atualíssimo, escrito em 11/04/2005, no dia seguinte ao aniversário da minha avó, mulher que, junto com os meus pais, irmãs, primos, tios e tias, ajudou a colorir a minha infância e que hoje, me ajuda a resgatá-la. ***


Ontem foi aniversário da minha avó. Tentei o dia inteiro falar com ela, mas acho que todo o mundo estava tentando também. Tiveram mais sorte. Eu não consegui. Minha avó desperta em mim os sentimentos mais egoístas. Quero minha avó só para mim.

Sua figura é etérea, de mulher sempre satisfeita com a vida. Parece eternamente grata, como se o que tivesse recebido de Deus fosse sempre mais do que esperava. É de longe a mulher mais vitoriosa que conheci. Sua história é de se beber como água, é de se sentir, não de se escrever ou de se dizer. Dona de família numerosa, ajuntada à sua volta pelo magnetismo que exerce sobre todos nós. É abelha rainha e operária. Recusa-se a estar em seu pedestal e passeia no meio de nós como se fosse uma pessoa comum. Mas ela é a minha avó. Parece até não ter consciência de sua importância.

Nunca se viu o medo em seu rosto. Nem nos momentos mais duros, quando viu seus filhos partindo, um a um, a depressão não teve lugar perto dela. Ao contrário, voltava-se aos vivos. Por ela, o pranto há que ser rápido e as celebrações que durar dias. Se um filho morre, um neto lhe nasce e há mais alegria neste do que tristeza naquele. Com minha avó aprendi que nada é o fim do mundo até que o fim do mundo chegue. Aprendi que o Nobel da Paz tem sido entregue a pessoas erradas por anos a fio. Percebi que ela não dá a mínima para o prêmio, que de fato sempre lhe pertenceu. Vi que mesmo longe dela sua presença me acompanha, entranhada na minha alma, porque me moldou o caráter. Tenho medo das minhas filhas não se parecerem com a minha avó. Vejo que quanto mais netos e bisnetos lhe nascem, mais eu tenho que dividir a minha avó. Mas, ao mesmo tempo, cada vez mais ela é minha.

Verônica Vidal

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Depois dos 30

Esta eu escrevi em março de 2005, mas hoje, quando vi a foto da Giovanna Antonelli, 1 mês depois de um parto de gêmeas, lembrei deste texto e fui fuçar o baú. E achei. Então, aí vai: 

Nota: Acabo de ver um caminhão descarregando um montão de revistas "Boa Forma" (ou algo do tipo) com a Angélica na capa, toda malhada, após ter dado à luz ao seu bebê milionário que ganhou um helicóptero do papi. Reacendeu-me então a chama do ódio contra essas comparações que fazem conosco, pobres mortais, que trabalhamos das 6 às 19, sim, porque o tempo do ônibus também conta! E chegamos em casa a tempo de fazer o jantar e limpar a zona que os filhos fizeram durante o dia, sempre afirmando que estavam ocupadíssimos lavando 3 copos e 2 talheres.

Portanto, à nós, mulheres com celulites e gorduras localizadas, que lutamos de ônibus ou num 1.0 sem ar condicionado, que escolhemos se o que será pago este mês será a conta de telefone ou a de luz, minha mais sincera reverência. E a vocês, homens que desistiram de sonhar com uma Angélica da vida - se é que existe algum - e apreciam as suas mulheres maravilhosas, meu aplauso.

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DEPOIS DOS 30

Lembrei-me da propaganda que dizia que "o primeiro sutiã a gente nunca esquece". Depois vieram as mais diversificadas versões deste slogan, mas a que lateja na minha cabeça é a versão da época de colégio, "a última transa é a que a gente nunca esquece". Das duas uma: ou essas frases são pura mentira ou estou com sérios problemas de memória. Não lembro nem a cor do meu primeiro sutiã e, o mais humilhante de tudo é que eu não lembro quando foi minha última transa. Acho que já faz uns quatrocentos anos ou por aí. A sensação pelo menos é esta. Que fim levaram os homens? Aqueles, que estavam sempre disponíveis, prontos para te comer se bobeasses. E agora estou eu aqui, dando a maior bobeira e eles? Sumiram!

A verdade é que ter mais de trinta e menos de quarenta - idade que jamais chegará - é mesmo uma merda. Os homens mais velhos, ou os da mesma idade, só querem as de vinte e cinco. Querem mesmo são as de dezesseis, mas como dá cadeia, contentam-se com as de no máximo vinte e cinco. Os mais politicamente corretos e metidos a besta mentem dizendo que preferem mulheres mais velhas - leia-se: de trinta, trinta e dois no máximo. E ainda nos comparam às turbinadas das revistas. E cá ficamos nós, autênticas balzaquianas, bombardeadas por esta profusão de bundas e peitos siliconados, por vaginas incendiárias e barrigas chapadinhas com seus piercings nos umbigos. Odeio abdomen definido! Odeio os das mulheres, é claro, por que de homem eu não odeio nada. Seja definido ou indefinido, foi homem, eu a-do-ro! Além do que, não estou em situação de escolher. Ter que disputar meu macho com as popozudas que são conquistadas com a musiquinha chinfrim do Bolete e que prometem rebolações intermináveis, com suas coxas chupadas na lipo e panturrilhas malhadas no step, não dá!
Onde estão aqueles homens de verdade, que acham que celulite é nome de loja e que você nunca está gorda e sim gostosa? Aqueles que nunca reparam que você cortou o cabelo ou vestiu uma roupa nova, mas todo dia te jogam na cama e deixam no teu pescoço aquelas indeléveis marcas roxas, cuja explicação mentirosa soa sempre pior do que a verdade?
Vou lançar uma campanha contra o silicone e contra a lipoaspiração. Contra mulheres de quarenta que querem parecer ter vinte. E contra homens de cinquenta que querem as boletianas de vinte e cinco. Contra calça de cintura baixa e mini blusas sem sutiã. Está neste momento sendo lançado nacionalmente o MSH - o movimento das Mulheres Sem Homens - onde todos os homens com mais de quarenta serão desapropriados para serem enfim entregues a nós, balzaquianas, verdadeiras apreciadoras das barriguinhas salientes e dos ralos cabelos grisalhos. E, finalmente, talvez possamos voltar a ouvir Djavan, Caetano, Chico Buarque...

Verónica Vidal

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Pelo Mundo, Mas de Cabresto

Chichén Itzá - Yucatán (México)
Ahhh... férias, férias! Voltei numa terça, após uma viagem cansativa, sacolejante e apertada.

Fui ao México com o meu marido-tudo-de-bão. Fomos para lá, brincar de rico na Riviera Maya, passear por Cancun e testar o sistema de engorda dos resorts. Não chegamos ao ponto de participar das actividades promovidas pela equipe de animação do hotel, mas confesso aqui e só aqui: que deu uma vontadinha, lá isso deu!

E lá estávamos nós, a passear pelas ruínas Maias e a descobrir que tudo o que sabíamos era diferente do que é de verdade e que muito provavelmente, o que dizem que é de verdade nunca existiu.

Até que, num destes centros de artesanatos preparados para virar o turista de cabeça para baixo até cair a última moedinha, passa um grupo de quatro norte americanos e um deles pergunta para o outro se a pessoa que os estava a atender seria a dona da loja. O interrogado, do alto de sua arrogância vomita: Claro que não! Eles não têm capacidade para serem donos de nada. Isso tudo pertence às cadeias de hotéis europeias. A expressão “eles não têm capacidade” latejava no meu ouvido. Uma mistura de sentimentos ferveu. De repente, fiquei feliz pelos ataques terroristas sofridos pelos USA. De repente, meu sangue terceiro mundista esperneava dentro de mim. Cheguei a abrir a boca para falar que ele sim, não tinha capacidade para sair do seu umbigo e enxergar outras formas de sociedade. Mas não cheguei a dizer nada. Acho que ele não teria a capacidade necessária para compreender. E vou passar ainda um bom tempo a amar o que é considerado brega, o que é considerado pobre.

Morando em Portugal, não tenho mais a oportunidade de ouvir o homem da Kombi a gritar pelo alto-falante: Pamonha, pamonha, pamonha! E senti falta disso (é, a minha crise é uma loucura!!!). Ainda fazem o concurso da Garota da Laje? Jurei que, se eu voltasse e a bunda ainda estivesse no lugar, eu me candidataria. Só dispensaria o piscinão de Ramos, porque minha crise brega não havia chegado ainda a tanto.

Mas… eis que de repente, não mais que de repente, eu me deparo com a vitória do Tiririca nas urnas. Essa notícia curou a minha crise na horinha. Quando o voto ainda era no papel, a gente votava no Macaco Tião, no Rinoceronte Cacareco, tudo bem. Mas eles não eram eleitos! E mais: a grande polémica DEPOIS das eleições: Ele sabe ler? Ele não sabe ler? Enquanto a educação no Brasil for relegada a último plano, enquanto os professores mal pagos e mal treinados forem obrigados a passar o aluno de ano, ainda que ele não tenha obtido uma aprendizagem satisfatória, enquanto a escola pública estiver crivada de balas e o traficante determinar se tem ou não aula, o eleitor, tratado como gado, votará em quem o coronel mandar, elegerá o BBB da vez, o palhaço do dia. Ainda tenho esperanças que um dia larguemos o cabresto e possamos votar coerentemente. Ainda acho que temos capacidade.



Verónica Vidal – salário sangrado pelos impostos que alimentam o bolso da corrupção.