quinta-feira, 19 de abril de 2007

EU TE AMO

Eu já estava até mesmo conformada em não ter encontrado, na - nem tão longa assim -estrada da minha vida, um companheiro de viagem que me fosse confiável. Já não buscava por pares perfeitos, almas gêmeas e coisas do gênero, que eu então já considerava fantasia de escritor de romance açucarado. Até que um dia... É sempre um dia. Ele surgiu. E surgiu como nos romances e histórias de criança. Surgiu como nos filmes da sessão da tarde.E ele era tão doce, tão perfeito. Salvou-me do banalismo concreto e pesado da minha vida para levar-me para a profundidade abstrata e leve do amor. Se amar é mesmo brega, cafona, eu quero ser a mais brega e a mais cafona das mulheres do mundo. Amor é palavra que dá vergonha de falar, pois se tornou incomum. De tão incomum e rara, foi substituída por gostar. E gosta-se muito, mas ama-se pouco. Posso dizer com segurança que gosto dele, de ti e de todos. Mas dizer que eu amo, é compromisso demais, dá um medo e uma vergonha sem tamanho. Faz-me parecer ridícula, expõe-me ao sofrimento de ser rejeitada, ao de amar e ser simplesmente gostada.E ensinou-me muitas e muitas coisas que eu havia esquecido que poderia realmente existir. Fez-me viver os romances que li, os filmes que vi, as músicas que ouvi. Fez-me andar a passos cadenciados, fez-me ver como é bom ter outro pé pisando a areia molhada ao lado do meu, como é um sentimento protetor ver o cuidado estampado no rosto dele, como é bonito vê-lo comer e que prazer dá em ouvi-lo falar, por mais corriqueira que seja a conversa. E senti que é bom demais ter aqueles olhos verdes, cor de mar ao sol, pousados sobre mim. Percebi que sua mão combina perfeitamente com a minha pele e que os meus muros de proteção desabaram com o leve toque da sua respiração.E ele me ensinou muito bem. Ensinou-me o quanto é bom estar com ele. Só não pode ensinar-me a estar sem ele. Não me mostrou como fazer para não sofrer na despedida. O que fazer para não chorar de saudade. Como agora pisar o pé na areia molhada, sozinha? Como agora ouvir as músicas sem que ele esteja junto? Como suportar assistir aos filmes em que ele deveria estar assistindo comigo e sentir que seu lugar está vazio? E ele me disse que quer que eu esteja sempre feliz. Só esqueceu de me dizer como. Eu te amo.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

E lá na casa da minha avó era assim...

Um brinde a você vó!
As celebrações de natal eu carrego comigo dentro do peito, dentro da memória, nas minhas lembranças. Parecem distantes no tempo, mas são vivas como se tivesse acontecido no último ano.

Ainda sinto o cheiro das comidas de Natal da casa da minha avó. Ainda sinto o coração bater forte quando chega a hora de abrir os presentes, religiosamente após a meia noite, depois dos abraços e durante a missa do galo que reinava sozinha na TV, alheia ao burburinho de vozes e cheiros. A faca elétrica cortava o peito do peru, o bolinho de bacalhau acabava antes da ceia ser servida, o vinho eram os de garrafão de 5 litros e o máximo que eu fazia era admirar sua cor, pois eu, criança, bebia guaraná. A árvore de Natal era lotada de presentes, família grande.

Alguns dos que povoam as minhas lembranças são vivos aqui, no coração, mas os outros vão achar que não poderemos ter novos natais juntos. Ainda assim, vivo minhas celebrações de natal com eles, com todos juntos, na mesa redonda de Vila Isabel ou na comprida do Largo do Tanque. Meu avô era emprestado, mas era tão avô quanto todos os avôs do mundo. Seus grandes olhos azuis enchiam a casa. Seu bigode eterno, meio branco meio amarelado do cigarro, ainda roçam minha bochecha. Sempre que beijo meu padrinho, que tem bigode parecido, é o bigode do meu avô que vem junto com o beijo. Lá, separamos padrinhos e madrinhas dos tios comuns. Todos são tios, mas padrinhos têm lugar de destaque no nosso coração. O meu, era o mais livre de todos. Pelo menos assim eu o olhava e assim ficou, até hoje. Parecia passarinho recém saído da gaiola. Nunca o vi brigar com ninguém, nunca ralhou comigo. Sempre o via sorrindo, dominando o churrasco, bermuda jeans, camisa jogada sobre as costas ou largada num canto qualquer. Se alguém ia à padaria, era sempre ele. Então, para mim, ele sempre teve cara de festa e de passeio. Ao lado dele, a vida deixa de ser séria e os problemas são pequenos.

Desconfiava que fosse ele o preferido, porque foi o único que morou sempre na casa da minha avó, casa misteriosa, que ficava no alto, imponente. Era uma casa comum, mas para quem, como eu, conhecia bem a magia da casa, sabia dos segredos. Já havia tido muitas caras. O passar do tempo e a fachada da casa contavam a história da família. Lá teve cana no quintal, teve pé de tangerina. Mas o mais importante de tudo: teve uma jaqueira. Até os dias de hoje, se vejo uma jaca, lembro da jaqueira da casa da minha avó. Era na jaqueira que se pendurava o Judas, ao pé da jaqueira que se fazia churrasco. Foi triste a morte da jaqueira. Deu sua vida para o conforto da família. Precisava nascer ali, em seu lugar, uma garagem. Para sempre vou amar aquela jaqueira. Para sempre vou amar a casa da minha avó. A casa tem muitos segredos, que só olhando de perto se pode ver. Ninguém no mundo todinho tem uma tia menina como a minha. Minha mãe guardou por anos e anos as fantasias de carnaval minhas, da minha irmã e da minha tia menina. Quando adolescente, foi com ela que eu virei a minha primeira noite de pré-carnaval, num clube de Vila Isabel. Colávamos estrelinhas no rosto e fazíamos maquiagem com purpurina. E ela ficou para sempre assim, fantasiada de pareô e com estrelinhas coladas no rosto. Mesmo hoje, com os filhos mais velhos que minha tia menina, ela permanece de pareô e de estrelinhas.

Quer saber mais um segredo? Não é segredo de contar, é segredo de sentir. Se você entrar na casa da minha avó para visitar, não vai sentir os segredos. Tem que entrar para viver, nem que seja viver por duas horas. Tem que viver um natal com show do Ney Matogrosso. Ninguém tem no mundo todinho um Ney Matogrosso tão autêntico quanto o meu tio. Ele foi meu quase primeiro amor. Era mesmo apaixonada por ele, apesar de não me importar que ele namorasse outra. Acho que é porque era amor secreto, amor gerado da casa da minha avó. Porque, mesmo hoje, depois de mais alta, quando as outras pessoas me chamam de adulta, ainda sou apaixonada pelo meu tio Ney. E nem me importei que ele casasse e casasse. E ainda hoje ele dança para mim, a dança do Ney Matogrosso. Todos os natais, muito depois da meia noite, muito depois dos presentes abertos, das comidas comidas e das bebidas bebidas.

E é tarde pra voltar pra casa. Dorme aí, disse minha avó. Eu sabia que ela ia dizer isso. Eu adoro quando ela diz. E minha madrinha busca um colchonete e estica na sala, pra mim. Sim, é a minha madrinha que busca, porque, como eu já disse, padrinhos são tios, mas são especiais. Tem sempre travesseiro e lençol, apesar da quantidade enorme de gente que ficou nesse dia. É por que é mesmo uma casa mágica. Os colchonetes, travesseiros e lençóis aparecem. Eu vou dormir aqui hoje. Amanhã sei que meu padrinho vai à padaria, trazer pão francês, mesmo com tanto panetone e rabanada que ficou. Boa noite, vó.

domingo, 15 de abril de 2007

Política dos Silva

Presidente eleito, cerimônia de posse recheada de quebras de protocolo, foto do presidente sem a faixa presidencial e exibindo um sorriso, enfim, tudo para fazer do ex-líder sindical um super star. Começo a achar que quem tem um melhor articulador de marketing, um melhor estrategista de imagem, ganha eleições. Não que eu não goste do presidente ou que não o quizesse no poder, mas tudo aquilo que antes era brega, criticado, combatido, de repente vira moda, símbolo de altruísmo, de popular e não mais popularesco.
Li na coluna da Hildegard Angel - aliás, nem sei por que eu estava lendo essa coluna - que a ministra Benedita da Silva estava "elegantérrima" em seu tailleur. Não tem muito tempo li no mesmo jornal críticas a respeito da roupa da então governadora Benedita da Silva. Afinal, mudou o cargo mas o estilo de roupa e o penteado - tão criticado antes - continuam os mesmos. As opiniões vão alterando-se ao sabor dos ventos do poder e a mídia dita o que devemos ou não gostar.
De repente diz-se que todo aquele que tem sobrenome Silva orgulha-se tremendamente dele. Eu conheço um monte de Silva e nunca os ouvi falar nesse tal de orgulho. As pessoas ainda desejam ter sobrenome estrangeiro e dizer que são descendentes de europeus ou americanos. É chic. Enfiaram isso na nossa cabeça e agora estão querendo fazer com que vomitemos tudo num só fôlego, para engolirmos a política do Fome Zero, esperançosos de que desta vez o Brasil dá certo. Para quem? Para quem criticava o ex-governo dizendo que juros altos impedem a economia de crescer e com isso deixa de gerar emprego e imediatamente após mantém o aumento dos juros com a máxima: "Quem tiver solução melhor que a apresente"? E a mídia aplaude. Os desdentados Silvas existentes na telinha sorriem, sentido-se praticamente parentes do presidente, impulsionados pela fama repentina que a luz da câmera trouxe. E eu termino de ver o Jornal Nacional entendendo menos de política e mais de marketing.

terça-feira, 27 de março de 2007

A CASA DA MINHA AVÓ

Cheguei já passava das duas da tarde. O almoço já havia sido servido na varanda e retornou à mesa para ser novamente servido, devido à minha chegada. Este ritual repetiu-se ainda pelo menos umas duas vezes, quando da chegada de outros membros da família, outras famílias recém formadas, todas à volta da família original. Esse foi o almoço de domingo na casa da minha avó.

A casa da minha avó é tudo menos uma casa de vovó. É salão de festas, é abrigo de desvalidos, é retiro. É interessante como tudo gira em torno da casa da minha avó e quem não gira aí perde um bocado de coisas boas, de conhecimento do eu e do outro. Todo mundo que nasce e todo mundo que morre terá seu nascimento comemorado ou sua morte chorada na casa da minha avó. Comemora-se mais do que se chora lá. Não que tenhamos mais bebês do que defuntos, mas a família não tem talento para o choro. “...levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima...” foi um trecho de música criado por alguém que visitou a casa da minha avó. Se não chegou a visitar, deveria, pois é o retrato da família. Dá até para processar por plágio.

O almoço foi dado pelos 50 anos da minha tia, que mora em Salvador. Poderia ter sido por qualquer outro motivo. Foi-se o tempo que futebol era um motivo, mas agora, com os times do Rio dando vergonha e com a seleção, bem, deixa pra lá.

Minha tia é bonita desde que nasceu. Acho que vai ser bonita sempre, até os 180 anos. Na casa da minha avó tem de tudo. É praticamente uma Macondo de Garcia Márquez: a tia lindíssima de quem acabo de falar, a tia certíssima que não erra nunca, pois, quando Deus derramou sabedoria sobre ela, deu porção dobrada, paciente, que namorou 200 anos o mesmo homem e casou-se – aliás, a única que honra o “até que a morte os separe”, o que comprova a teoria de que namorar é a melhor pedida. Tive um outro tio que expirou contando com apenas uma esposa no currículo, mas, seguindo a tradição da família, falemos de quem está vivo e deixemos os mortos para as doces lembranças. Tem o tio que tem filhas mais jovens que seu neto, o que casou com a ex-namorada, tem a tia que deu grito de independência, tem uma mistura de cores e rostos, de sotaques e de personalidades, que fazem de todo o bolo uma obra de arte. Tem os filhos que são filhos, os filhos que não são filhos, os que nasceram na família e os que se tornaram parte dela. Eu, de minha parte, vejo minha avó orquestrando este balé de vozes e cores, com batuta invisível. Vejo minha avó se multiplicando em diversas novas famílias. Vejo a cara do novo no rosto da minha prima que começa a formar nova família ao acabar de perder a sua. Vejo que Deus é especialmente generoso com esta, que é a família da minha avó.

Todos os causos são contados na varanda. Tudo no mundo aconteceu com alguém dali e, se você quiser aprender a ouvir 15 pessoas ao mesmo tempo a contar diferentes coisas e responder às 15 de igual forma, vai passar uma tarde lá. É sucesso garantido. Não há plenário político que ganhe da varanda da casa da minha avó.

Creia que há quem dispense essa magia. Há quem receba o convite e não compareça. Tenho dó do tempo que perde, mas tenho esperança que um dia, desavisadamente, vá bater na casa da minha avó. E aí se lembre das noites de Natal, das festas de Ano Novo, do cajuzinho de aniversário. E então reenxergue a mistura de cores, reouça o burburinho inconfundível da alegria e enterre a secura do desapego.

Vó, vou levar colchonete para dormir aí no Natal.

Verónica Vidal  - Avó é muito bom, mas a minha é ainda melhor. Ela é mágica.