sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Quando a infância emerge e vem cá acima respirar

 
Eliane, Marco, Bambam, o Castelo e Coimbra.
De vez em quando o mundo fica assim: Perfeito.



Eu devia ter uns oito anos quando minha mãe levou-nos a todas para uma visita à casa de uma amiga. Na minha época de menina, mãe quando saía de casa, levava os filhos junto. Não havia quem ficasse com eles, ia a trupe toda. As distâncias de então eram as mesmas de hoje, os recursos eram outros mas talvez os perigos fossem menos. A viagem de Bonsucesso até  Coelho da Rocha era longa, era preciso saber bem quais ônibus pegar. Mas isso era tarefa da mamãe, que dominava tudo e nunca nos preocupamos com essas coisas. Estávamos com a mamãe.

A casa da D. Walkiria tinha encantos que para uma menina de oito anos eram únicos: Os muitos colares de contas, as revistas de fotonovela da Maria, a laje e um lugar secreto, onde não se podia entrar. Nada mais era do que um altar com imagens de santos mas este era terminantemente proibido às minhas mãozinhas. Uma vez proibido pela mamãe, já não havia volta a dar. 

Mas é que lá havia uma santa princesa e um santo herói, que eu bem já havia espreitado. E lá um dia eu quis que eles se beijassem. Fui pega em flagrante delito, denunciada. Ganhei umas palmadas valentes que para mim valiam como espancamento em praça pública, mas fui salva pela D. Walkiria e ainda ganhei bolo naquela tarde. Sei que não chegaram a compreender que São Jorge apenas salvava a princesa N. Sra. da Conceição de um grave perigo que agora eu já não lembro qual era. 

E lá viviam os 3 filhos: O Zeca, adulto, que não nos ligava nenhuma, como convém a um homem feito, a Maria, moça morena e linda, que ria às gargalhadas e era dona das fotonovelas e o Marquinho, já um jovem moço, que parecia o Caetano Veloso e nos ajudava a subir na laje - o maior paraíso daquela casa.

E quis o destino, com a ajuda do Zuckerberg, que Marquinho e Maria me pescassem na rede. E foi então que tudo o que eu acabei de vos contar explodiu na minha lembrança como o doce recheio de um bombom. E quis também o destino que o tempo da Maria neste mundo se acabasse. E ela se foi assim, sem anúncio, como os bebês que nascem prematuros e assustam toda a gente. E o Marquinho , que cresceu e virou Marco António, fez-se doutor e importante, todo casado com a Eliane e pai de filhos e avô de netos, ameninou-se de novo diante do luto da Maria, que cumulava com outros lutos da vida.

Curiosamente vieram os dois à minha casa com a divina missão de curar o meu luto, de arrancar-me da casca. Eliane é o equilíbrio doce, é a serenidade, é o chá das cinco. Marco é a festa de sábado, é o meu pedaço criança, é caviar com champagne. Em meio a passeios, chuva, frio, um raiozinho de sol mais quente, resfriados e crises de hipertensão, invariavelmente terminávamos os dias a rir. E eu enredava-me nas minhas dores e refrescava-me com a presença deles, com a sua leveza. Até a minha gata Kitty, que não costuma simpatizar lá com muita gente, todos os dias subia à cama deles a dar os bons dias. Decidiu que a barriga do Marquinho era excelente lugar para tirar um cochilo à tarde. Quase tão boa quanto a minha.
A assinatura no Livro de Ouro

Verónica Vidal - mulher, escritora e curica

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Pedrógão Pequeno - um lugar chamado amor

P. José Afonso, eu e Marco - Eliane, D. Maria José e eu
Ouvimos dizer que aquilo que dá luta conseguir tem sempre um sabor mais doce. Que tudo que é fácil perde um bocado do seu encanto e mistério. Concordo com o dito porque a maior parte das coisas queridas e lembranças agradáveis que tenho foram resultado de lutas e tropeços, para que enfim viesse o delicioso sabor da vitória.

E partimos rumo a Pedrógão Pequeno, vila bucólica inserida no Concelho de Sertã e perdida como um oásis no meio das montanhas. E por uma combinação de inata falta de habilidade minha a encontrar os caminhos certos e insistência do GPS em nos fazer circular por quase todo o Concelho, exageros à parte, uma viagem que seria de 50 minutos tomou-nos 1 hora e meia, garantiu-nos muitos enjôos mas também brindou-nos com lindas vistas e caminhos que a nós pareciam inexplorados. 

A missão que tínhamos em Pedrógão Pequeno era simples: A tia do meu amigo, do alto dos seus noventa e poucos anos, havia-lhe pedido uns santinhos da igreja local, onde seu avô - ou pai, já não mais me recordo - havia se batizado. Como negar um pedido a uma senhora quase centenária? Missão dada é missão cumprida e, perto ou longe, lá iríamos nós. E lá chegamos.

E encontramos uma típica vila portuguesa, paramos no café e perguntamos onde ficava a igreja de São João Batista. A simpática jovem do café indicou-nos prontamente: "É a Matriz". Ficava a dois passos. E lá estava o carteiro, que nos indicou a Junta de Freguesia, onde obteríamos informações acerca do padre, a fim de abrir a igreja só para nós, tirarmos as fotos e dar-nos, se houvesse, os tais santinhos. Em dois minutos o padre José Afonso estava conosco, recém chegado de trabalhos que estava fazendo na própria comunidade. Autorizou-nos a entrar na igreja e pediu à doce Sra. Maria José, que por ali se encontrava e que desviou-se do seu caminho para nos ajudar. Já nãoexistem mais os santinhos, mas saímos de lá pesados de fotos, descobrimos a história do local e da igreja, descobrimos a pia batismal onde o avô havia se batizado - o mote da viagem. Fotos tiradas, histórias contadas, visitas feitas. Descobrimos que, acima de tudo, nada é mais importante do que a boa disposição das pessoas. O empenho sincero que todos ali tiveram em nos ajudar marcará nossos corações para sempre e assim temos a certeza de que, por mais que o homem invente o GPS mais moderno, o que nunca falhará mesmo é o amor.   

Verónica Vidal -  Pedrógão Pequeno será sempre lembrado como um lugar acolhedor onde cada uma das pessoas que encontamos pelo caminho, se predipôs a ajudar. Que todos sejamos assim, grandes, como os habitantes de Pedrógão Pequeno.