quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A deliciosa desarrumação de uma casa

A maturidade nos presenteia com tantas boas coisas que acabamos por deixar passar em brancas nuvens as rugas e os quilinhos a mais que com ela vêm atrelados. Algumas pessoas envelhecem e apenas tornam-se velhas, não amadurecem. Triste isso. Essas somente verão o lado escuro do tempo que passa.

Quando eu era mais jovem, queria manter minha casa sempre "limpíssima e arrumadíssima" e, com três crianças mais um trabalho fora, a tarefa era quase hercúlea. Hoje, raramente minha casa estará arrumadíssima. Hoje meu tempo é dedicado principalmente às pessoas que amo, a fazer o que gosto. Sim, meus netos podem pular na minha cama e brincar com os ímãs do frigorífico. Sim, os ímas partem-se e nós os colamos ou fica aquele montinho partido num cantinho à espera de ser colado. Sim, hoje eu chego em casa e sento-me no sofá a ver TV com uma taça de amendoins ao colo e a minha gata salta para cima de mim, enche-me de pelos e a louça fica por lavar, porque a companhia do meu marido é mais interessante do que uma pia livre de louça. Sim, tenho livros espalhados pela casa e marco-os com qualquer coisa, seja uma carta, um papel, um clipe, porque nunca encontro o marcador de livros próprio. E não é o fim do mundo.

Minha casa conta a minha história, diz o que eu fiz hoje e possivelmente ontem. Ela emana vida, amor, dor, pressa, cultura, risos e tudo isso ao mesmo tempo. Meus sofás têm os arranhados da gata, no corredor invariavelmente terão os tênis do meu marido, meus livros lidos moram na estante, os que estão a ser deglutidos moram por aí, minha bíblia vai passeando pela casa conforme o dia.

É bem certo que a louça que hoje não é lavada estará lá amanhã. Mas não sei se o marido que hoje não é acarinhado amanhã estará lá. Os ímãs que se partem podem ser repostos. Os netos que se vão nunca o poderão ser. Se eu pudesse voltar no tempo brincaria mais de bonecas com minhas filhas, no tapete branco da sala de estar.