segunda-feira, 28 de julho de 2008

PROCESSO DE SELEÇÃO





Li numa revista feminina - dessas que se você colecionar durante dois
anos inteiros e comparar as edições mensais às do ano anterior,
encontrará os mesmíssimos assuntos e as mesmíssimas "novidades" - que os
homens estavam, assim como nós, mulheres, procurando por relacionamentos
sólidos e não mais por sexo pura e simplesmente. Peço encarecidamente
ao editor da tal revista que nos forneça o telefone dos indivíduos
entrevistados. Aqueles que valorizam a inteligência e perspicácia da mulher
em detrimento dos atributos físicos que, em nossas idéias equivocadas,
reinavam absolutas na preferência masculina. Fato é que eu não conheço
nenhum homem assim, como descreve a abençoada revista. Nenhunzinho
sequer. Todos aqueles que eu pensei em quem sabe talvez ter um
relacionamento, mantinham em seus cérebros mal compreendidos por nós, malvadas
mulheres, um espaço muito maior para a apreciação de bundas e peitos do que
para a admiração da versatilidade e inteligência femininas. No fim das
contas, eles não passam no meu teste de qualidade e fico eu, ou
melhor, continuo eu, sozinha.

O sujeito liga e me convida para almoçar. O clima é de paquera e,
talvez resultante desse meu jeito desprendido e independente, ele, até
então um mero colega cuja intimidade ainda não quebrou a barreira da
rápida olhadela, fala: "a gente se encontra no restaurante". Eu retruco,
deixando claríssimo que quero ser paparicada: "nada disso, você passa na
minha casa e iremos juntos ao restaurante." Em outras palavras: "Seja um
gentleman para desfrutar da minha companhia que eu lhe recompensarei
com mais do que uma cadeira ocupada para o almoço". Talvez influenciada
ainda pelo artigo da revista, esqueci que a maioria dos homens não
conhece subjetividade e não lê nas entrelinhas. Aliás, fique feliz amiga,
se o seu lê alguma coisa além de manchete de jornal para fazer cara de
quem tá por dentro de tudo quando conversa com os amigos. Enfim, o
bonitão foi me buscar e mandou a clássica: "Tenho que dar uma passadinha em
casa antes para ligar para uns clientes". Passadinha dada, o mané no
telefone por nada menos que uma hora e eu sentada feito uma idiota em
frente a ele. Visivelmente, o mocinho estava querendo impressionar
(???) demonstrando ser ele um grande homem de negócios. Ainda por cima, o
irresistível disse que o que ele queria mesmo é que aproveitássemos a
privacidade do apartamento, e que - pasmem - eu nada teria a perder. O
único problema desse moço é que ele escolheu a pessoa errada para tentar
impressionar. Eu tive que fazer a caridade de contar isso a ele, que
absurdamente, não entendeu por que eu estava chateada. Enfim, após
explicar para o dito gênio, detalhadamente e com figuras, que se eu estivesse
interessada simplesmente em sexo, compraria um vibrador, que nunca te deixa na
mão, é higiênico e você não precisa discutir a relação com ele, o
inteligente levou ainda uns dez minutos deglutindo a informação. Sem dúvida o
almoço foi para a cucuia e a minha idéia idiota de ter qualquer coisa
com esse otário desvaneceu-se.

Essa experiência e outras tantas não tão gritantes, faz-me voltar a
pensar na revista que tanto enalteceu a seleção masculina para companhia
feminina. Onde diabos eles fizeram esta pesquisa? Quem foram os
entrevistados? Será que foi na Etiópia? Talvez no Egito, ou na Grécia? Talvez
eles tivessem compilado dados de algum país distante, para baratear o
custo de edição? Se o que os homens -segundo a dita revista - mais
prezam é a inteligência e desenvoltura femininas, por que será que a
matéria seguinte era: "Como ter e manter sua bunda dura"? Essas e outras
questões misteriosas, talvez nunca nos sejam reveladas, ou pior, se forem,
talvez jamais nos convençam, como aquele caso de "Quem matou Salomão
Hayala?" e a Odete Roittman? Gente, vibrador a gente compra pela marca?
Alguém sabe qual é a boa?

Penelope

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O Ministério Feminino Adverte

O MINISTÉRIO FEMININO ADVERTE

Sabe um daqueles dias que você sai se sentindo poderosíssima, com seu melhor modelito: aquela saia que valoriza suas curvas e ainda te deixa magra? Pois é. Outro dia foi um desses dias. Eu me preparei especialmente para encontrar-me com ele. Não, não era um encontro. O cara era um cliente que eu iria visitar - já o tinha feito umas quatro vezes antes e não havia motivo para esta última visita, além, é claro, daqueles cabelos levemente grisalhos nas têmporas, aquele sorriso lindo de comercial de creme dental. Enfim, inventei a necessidade e fui à luta. Para quê? Para que a secretária do sujeito elogiasse a minha saia. Foi o máximo em aprovação que eu obtive naquele dia. Frustrante, para não dizer desesperador.

Voltei para casa e me olhei no espelho: Eu estou gorda. Meu nariz é grande. Deveria fazer aquele negócio de facetas que deixam o seu sorriso parecendo o da Camila Pitanga - pelo menos foi mais ou menos isso que eu li na revista Plástica. Será que eu faço luzes? Amanhã eu começo a dieta de carboidratos zero. Vou caminhar na areia da praia, que o resultado é mais rápido. Academia não adianta, é jogar dinheiro fora. Pago e não vou. Odeio. Caraca! Por que que o idiota não me deu nem uma paquerada de leve? Nada, nada, nada.

Atenção homens: Se virem uma mulher arrumadíssima na sua frente, paquerem-na. Mesmo que não queiram nada com ela. É uma questão de solidariedade. Evitaria muito suicídio por aí. Pensando bem, acho que essa advertência deveria vir nas embalagens de cuecas masculinas, iguais àquelas das de cigarro. É, afinal, uma questão de proteção à saúde mental da mulher. Não é simplesmente orgulho ferido, mas sim uma questão cultural a mulher sair de casa vestida para matar e ganhar o objeto da sua sedução. Alguém inventou isso para um filme de Hollywood e a fórmula tem sido copiada incansavelmente. E eu aposto que quem inventou isso foi um homem. Agora, azar o deles. Paquerar é uma obrigação da classe masculina.

Só para o caso do meu cliente ler isto aqui, deixo uma nota direta para ele: Olha aqui, eu nem liguei. Eu ia dizer não mesmo. Sou muito seletiva.

"Eu queria ter na vida simplesmente..."

"Eu queria ter na vida simplesmente, um lugar de mato verde, prá plantar e prá colher. Ter uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela, que é prá ver o sol nascer..."

Precisamos estar cientes e conscientes de tudo. Precisamos ler a última VEJA, assistir o jornal Nacional, ler o JB e conhecer um pouco de tudo, discursando com ares de profundo conhecedor seja lá no que for, para galgarmos o respeito da sociedade e, quanto mais convincentes e charlatães formos, mais admirados seremos. É preciso ter opinião e defendê-la ferrenhamente, ainda que esta possa ser mudada por uma ou outra observação do interlocutor, com todas as minhas garras eu preciso vencer a disputa verbal que se entrelaça nos meios sociais cada vez mais acirradamente.

Já nem me lembro mais o que disputo: Se é a admiração do chefe e conseqüentemente uma possível promoção, se é a atenção do bonitão que nem é tão bonitão assim, mas fala bem e isso me atrai, é "in". Além de "culta" e "articulada" preciso ser espirituosa e bem humorada. Minha mãe teria definido como "palhaça". É isso. Preciso fazer o outro rir, de situações que normalmente seriam condenáveis. É o chamado "humor fino". Não sei quem o definiu assim, mas viramos escravos dele assim como o já somos da falsa cultura, informação atualizadíssima e das idéias e ideais.

Além das unhas feitas, o corpo malhado - ai de quem confesse, como eu, que morre de preguiça até mesmo de caminhar - o cabelo domado e toda a discursaria de arriba, mulher do século 21 tem que saber transar e muito bem. E de camisinha - pelo menos alardear que seu sonho dourado é uma boa camisinha. Não se faz mais amor, não se casa mais, não se constrói mais família. Por que isso é brega, é pequeno, é menor. Hoje em dia a gente transa. E depois não transa mais porque "não tem nada a ver", porque "rolou, foi uma coisa de momento". Há pouco tempo um homem discursava na minha frente os problemas da migração do campo para as grandes cidades. Minha resposta para ele foi: "Então, vamos para o campo!" O que certamente ele encarou como uma evasiva a um problema declarado que eu não queria continuar a debater, foi na verdade, um convite literal: Tive vontade de pegar o sujeito que estava na minha frente, botar dentro do carro e seguir para a menor cidade que encontrasse. Por um segundo, todas as respostas e libertações terrenas estavam diante dos meus olhos: Sem VEJA, sem JB, sem ódio às organizações GLOBO, sem disputa por atenção, enfim, só capinar, plantar, colher - já que o exercício é grande, não precisaria malhar. Só manteria o sexo (afinal, ele não era nada mal) e com as camisinhas faria bolas de aniversário para quando lembrássemos que um de nós faria aniversário. A fidelidade seria inevitável diante do fim de mundo que nos encontraríamos. O mundo seria então perfeito. Mas o celular tocou, tirando-me do torpor do sonho e lembrando-me de que tinha que checar as aulas de inglês das minhas filhas, preparar a aula da escola dominical, tomar a pílula para não menstruar, ler a VEJA, checar os e-mails, trabalhar no dia seguinte, marcar manicure...

terça-feira, 3 de junho de 2008

Querido Diário

Para que, exatamente, serve um diário?

Quando eu era pequena, sempre quis ter um diário. Influenciada pelos filmes e muito mais pelos livros onde as heroínas sempre escreviam em seus diários, onde descobriam e liam diários de princesas e afins, eu também quis firmar meu nome na história como detentora de um diário. Triste ilusão minha, já que, assim como muitas outras coisas na vida, o diário seria mais uma que eu começaria e jamais acabaria – se bem que eu acho que nunca se acaba um diário, já que supõe-se que seu criador o escreva até o último suspiro.

Outro dia assisti um filme onde uma senhora, já idosa, falava como se lesse um diário. Era a narradora do filme da sua própria vida. Então sim, agora, já adulta – que é a fase da vida em que pensamos firmemente já ter as respostas para todas as questões que permearam a nossa infância – percebo a inutilidade completa de um diário. Afinal, se for para ninguém ler, por que escrevê-lo? Além do mais, se houver um dia em que nada acontece, o que escrever? E se for um dia onde tudo acontece, não haverá páginas suficientes para relatar, certo? Errado. Nos livros e filmes as pessoas têm uma incrível capacidade de síntese – coisa que eu não tenho. E nunca divagam, não saem do assunto central – defeito meu, permanente e irremediável. Do que falávamos mesmo? Ah, sim! Da utilidade de um diário. Cheguei portanto à conclusão de que um diário só serve para outra pessoa – o famoso bisbilhoteiro – ler. Portanto, só se escreve coisas que queremos que o outro leia. Ou seja, mentimos descarada e deslavadamente sobre as nossas próprias vidas e sobre nossos sentimentos e pensamentos. Quando, em que momento, eu escreveria a triste confissão de que cheguei a desejar o vizinho que mora na casa em frente? Nunca!!! Até porque, do ângulo que eu o vejo, o sujeito deve ter uns 120 kg, está sempre de bermudas caqui, invariavelmente com as cuecas à mostra e com uma mão segura a cerveja e com a outra coça intensamente o saco. Quer cena mais grotesca? Pois eu já presenciei essa imagem da minha janela tantas vezes que, um dia, nem sei porque, cheguei a pensar em ter um caso com ele. Claro que esse pensamento cruzou a minha cabeça por míseros 3 segundos e ainda tinha o atenuante de eu estar sem nem ao menos ver sexo pelos últimos 2 anos, sendo assim, portanto, completamente compreensível qualquer tipo de loucura. Mas eu jamais colocaria isso no meu diário. Eca!

Entretanto essa ideia de diário ainda martela a minha cabeça. Será que as pessoas escrevem a verdade nos diários ou só eu que sou anormal penso em mentir num diário? Será que eu sou a única normal e os possuidores de diários são loucos desvairados que foram terrivelmente atacados por seres interplanetários? Acho que já estou ensandecida. Comecei a pensar nos confessionários das igrejas. Porque as pessoas vão lá se confessar? Quem foi que determinou que devem falar seus mais íntimos segredos pra um sujeito que nem a cara podem ver? Talvez a fofoca tenha começado daí. Será que as pessoas falam mesmo a verdade ou mentem e contam um pecadinho leve, só pra parecer santa? Pois é, duvidem ou não, eu um dia fiz a primeira comunhão. E a professora de catequese falou que tínhamos que nos confessar ao padre antes de fazer a primeira comunhão e que depois, tínhamos que rezar o Ato de Contrição, senão não faríamos comunhão nenhuma. Bem, eu queria mesmo era colocar o vestido branco e ter uma festa, portanto, ir lá e me confessar seria moleza. Mas aí vinha o problema: Que pecado eu confessaria? Ora, por alto, eu nem precisava pensar muito, pois com 8 ou 9 anos, traquinagens não eram poucas. Como não conseguia lembrar de nenhum na hora, inventei. Nem lembro o que, mas inventei o meu pecado pra poder me confessar, saí da casinha, ajoelhei no banco e abri discretamente o pedacinho de papel mimeografado onde continha o precioso Ato de Contrição, que eu tinha que rezar. Era coisa pouca, umas 3 linhas talvez, mas eu tinha 8 anos e tinha ganho uma bicicleta no Natal passado e, sabe como é, entre decorar o Ato de Contrição e andar de bicicleta, não achei que Deus fosse me condenar por preferir a segunda opção.

De fato, depois de me ter lembrado disso, percebo que posso ter um lindo diário e ser nele quem eu queira. Afinal, se aos 8 anos menti ao padre, é compreensível que aos trinta e poucos – sem risos, depois dos trinta sempre temos trinta e poucos – minta ao diário, que nem fala nem ouve nem condena e quem compra sou eu. É isso. Vou começar agora mesmo meu diário. Com quantos anos eu devo começá-lo? Aos 15? Não. Vou começá-lo com 19 anos. É mais sexy – até porque aos 19 anos eu tinha mais peitos do que aos 15. Paro por aqui que ainda tenho uns bons anos de diário para escrever.

Querido diário,


Verónica Vidal