terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Amor, transformado

2012 é um ano muito novo, com tudo novo de novo. Nasceu Gustavo, ainda no ano velho, neto do meu marido, que seria meu novo marido, mas já lá se vão quatro anos e este já lá é o terceiro casamento, sendo então um velho marido e eu me abanquei de avó do netinho, sem dar a oportunidade a ninguém de me enxotar e dizer que eu não tenho nada a ver com a coisa, pois se eu não estava cá para fazer a filha azar o deles, mas aqui estava eu para receber o neto, isso sim, de mim ninguém tira.

Já estou no Velho Mundo  há quase 5 anos e ainda esperneio para me adaptar. É preciso cavar o calor dos trópicos por estas bandas. Não o calor do sol, este também, mas falo do calor nas pessoas. Mas que ele existe, existe sim, e de que maneira! Só é preciso encontrá-lo, desenterrá-lo, tirar o véu. O amor aqui é muito mais traduzido na comida quente, no azeite sobre o bacalhau, no pagar um almoço ou um café, no matraquear do fim da noite, numa árvore plantada no jardim, do que no nosso rosário sem fim de eu-te-amo-eu-te-adoro tupiniquim, que expressa muito com músicas e palavras, e bem menos com ações.

Minha filha está para chegar, a fim de passar as férias comigo. Sinto-me prestes a parir, numa azáfama de preparativos infindáveis, naquela mistura de querer que ela chegue amanhã e precisar de tempo para tricotar mais um sapatinho. Meu marido plantou uma oliveira no jardim. E um pinheiro. E mandou trocar os estores. E ralhou com o homem dos vidros que nunca mais vinha colocar as janelas na marquise. É o jeito dele de dizer que me ama e que, por extensão, ama minha filha, e que ela seja bem-vinda. Quer a casa composta "para parecer bem". Nunca chegou a dizer exatamente isso, mas é assim que é. As palavras de amor por aqui vêm em forma de coisas. E é deste mesmo jeito que ele traduz tudo aquilo que não tem nome. Coisa.

Eu não sei plantar árvores nem tricotar sapatinhos, mas amo o Gustavo porque amo e não por extensão, mas por reflexo. Não tem uma gota do meu sangue, mas carrega todo o meu amor, até à última gota. E é neste círculo, onde cada um fala uma língua, que ele há de crescer. E há de ser poliglota de almas, pois desde cedo receberá amor falado e transformado em coisas. Amor é das poucas coisas que, sendo muito, nunca é demasiado.

Verónica Vidal - ainda aprendendo que existem muitas formas de falar amor, e que não há acordo ortográfico possível que estrague essa deliciosa diversidade.