terça-feira, 3 de junho de 2008

Querido Diário

Para que, exatamente, serve um diário?

Quando eu era pequena, sempre quis ter um diário. Influenciada pelos filmes e muito mais pelos livros onde as heroínas sempre escreviam em seus diários, onde descobriam e liam diários de princesas e afins, eu também quis firmar meu nome na história como detentora de um diário. Triste ilusão minha, já que, assim como muitas outras coisas na vida, o diário seria mais uma que eu começaria e jamais acabaria – se bem que eu acho que nunca se acaba um diário, já que supõe-se que seu criador o escreva até o último suspiro.

Outro dia assisti um filme onde uma senhora, já idosa, falava como se lesse um diário. Era a narradora do filme da sua própria vida. Então sim, agora, já adulta – que é a fase da vida em que pensamos firmemente já ter as respostas para todas as questões que permearam a nossa infância – percebo a inutilidade completa de um diário. Afinal, se for para ninguém ler, por que escrevê-lo? Além do mais, se houver um dia em que nada acontece, o que escrever? E se for um dia onde tudo acontece, não haverá páginas suficientes para relatar, certo? Errado. Nos livros e filmes as pessoas têm uma incrível capacidade de síntese – coisa que eu não tenho. E nunca divagam, não saem do assunto central – defeito meu, permanente e irremediável. Do que falávamos mesmo? Ah, sim! Da utilidade de um diário. Cheguei portanto à conclusão de que um diário só serve para outra pessoa – o famoso bisbilhoteiro – ler. Portanto, só se escreve coisas que queremos que o outro leia. Ou seja, mentimos descarada e deslavadamente sobre as nossas próprias vidas e sobre nossos sentimentos e pensamentos. Quando, em que momento, eu escreveria a triste confissão de que cheguei a desejar o vizinho que mora na casa em frente? Nunca!!! Até porque, do ângulo que eu o vejo, o sujeito deve ter uns 120 kg, está sempre de bermudas caqui, invariavelmente com as cuecas à mostra e com uma mão segura a cerveja e com a outra coça intensamente o saco. Quer cena mais grotesca? Pois eu já presenciei essa imagem da minha janela tantas vezes que, um dia, nem sei porque, cheguei a pensar em ter um caso com ele. Claro que esse pensamento cruzou a minha cabeça por míseros 3 segundos e ainda tinha o atenuante de eu estar sem nem ao menos ver sexo pelos últimos 2 anos, sendo assim, portanto, completamente compreensível qualquer tipo de loucura. Mas eu jamais colocaria isso no meu diário. Eca!

Entretanto essa ideia de diário ainda martela a minha cabeça. Será que as pessoas escrevem a verdade nos diários ou só eu que sou anormal penso em mentir num diário? Será que eu sou a única normal e os possuidores de diários são loucos desvairados que foram terrivelmente atacados por seres interplanetários? Acho que já estou ensandecida. Comecei a pensar nos confessionários das igrejas. Porque as pessoas vão lá se confessar? Quem foi que determinou que devem falar seus mais íntimos segredos pra um sujeito que nem a cara podem ver? Talvez a fofoca tenha começado daí. Será que as pessoas falam mesmo a verdade ou mentem e contam um pecadinho leve, só pra parecer santa? Pois é, duvidem ou não, eu um dia fiz a primeira comunhão. E a professora de catequese falou que tínhamos que nos confessar ao padre antes de fazer a primeira comunhão e que depois, tínhamos que rezar o Ato de Contrição, senão não faríamos comunhão nenhuma. Bem, eu queria mesmo era colocar o vestido branco e ter uma festa, portanto, ir lá e me confessar seria moleza. Mas aí vinha o problema: Que pecado eu confessaria? Ora, por alto, eu nem precisava pensar muito, pois com 8 ou 9 anos, traquinagens não eram poucas. Como não conseguia lembrar de nenhum na hora, inventei. Nem lembro o que, mas inventei o meu pecado pra poder me confessar, saí da casinha, ajoelhei no banco e abri discretamente o pedacinho de papel mimeografado onde continha o precioso Ato de Contrição, que eu tinha que rezar. Era coisa pouca, umas 3 linhas talvez, mas eu tinha 8 anos e tinha ganho uma bicicleta no Natal passado e, sabe como é, entre decorar o Ato de Contrição e andar de bicicleta, não achei que Deus fosse me condenar por preferir a segunda opção.

De fato, depois de me ter lembrado disso, percebo que posso ter um lindo diário e ser nele quem eu queira. Afinal, se aos 8 anos menti ao padre, é compreensível que aos trinta e poucos – sem risos, depois dos trinta sempre temos trinta e poucos – minta ao diário, que nem fala nem ouve nem condena e quem compra sou eu. É isso. Vou começar agora mesmo meu diário. Com quantos anos eu devo começá-lo? Aos 15? Não. Vou começá-lo com 19 anos. É mais sexy – até porque aos 19 anos eu tinha mais peitos do que aos 15. Paro por aqui que ainda tenho uns bons anos de diário para escrever.

Querido diário,


Verónica Vidal

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