segunda-feira, 16 de abril de 2007

E lá na casa da minha avó era assim...

Um brinde a você vó!
As celebrações de natal eu carrego comigo dentro do peito, dentro da memória, nas minhas lembranças. Parecem distantes no tempo, mas são vivas como se tivesse acontecido no último ano.

Ainda sinto o cheiro das comidas de Natal da casa da minha avó. Ainda sinto o coração bater forte quando chega a hora de abrir os presentes, religiosamente após a meia noite, depois dos abraços e durante a missa do galo que reinava sozinha na TV, alheia ao burburinho de vozes e cheiros. A faca elétrica cortava o peito do peru, o bolinho de bacalhau acabava antes da ceia ser servida, o vinho eram os de garrafão de 5 litros e o máximo que eu fazia era admirar sua cor, pois eu, criança, bebia guaraná. A árvore de Natal era lotada de presentes, família grande.

Alguns dos que povoam as minhas lembranças são vivos aqui, no coração, mas os outros vão achar que não poderemos ter novos natais juntos. Ainda assim, vivo minhas celebrações de natal com eles, com todos juntos, na mesa redonda de Vila Isabel ou na comprida do Largo do Tanque. Meu avô era emprestado, mas era tão avô quanto todos os avôs do mundo. Seus grandes olhos azuis enchiam a casa. Seu bigode eterno, meio branco meio amarelado do cigarro, ainda roçam minha bochecha. Sempre que beijo meu padrinho, que tem bigode parecido, é o bigode do meu avô que vem junto com o beijo. Lá, separamos padrinhos e madrinhas dos tios comuns. Todos são tios, mas padrinhos têm lugar de destaque no nosso coração. O meu, era o mais livre de todos. Pelo menos assim eu o olhava e assim ficou, até hoje. Parecia passarinho recém saído da gaiola. Nunca o vi brigar com ninguém, nunca ralhou comigo. Sempre o via sorrindo, dominando o churrasco, bermuda jeans, camisa jogada sobre as costas ou largada num canto qualquer. Se alguém ia à padaria, era sempre ele. Então, para mim, ele sempre teve cara de festa e de passeio. Ao lado dele, a vida deixa de ser séria e os problemas são pequenos.

Desconfiava que fosse ele o preferido, porque foi o único que morou sempre na casa da minha avó, casa misteriosa, que ficava no alto, imponente. Era uma casa comum, mas para quem, como eu, conhecia bem a magia da casa, sabia dos segredos. Já havia tido muitas caras. O passar do tempo e a fachada da casa contavam a história da família. Lá teve cana no quintal, teve pé de tangerina. Mas o mais importante de tudo: teve uma jaqueira. Até os dias de hoje, se vejo uma jaca, lembro da jaqueira da casa da minha avó. Era na jaqueira que se pendurava o Judas, ao pé da jaqueira que se fazia churrasco. Foi triste a morte da jaqueira. Deu sua vida para o conforto da família. Precisava nascer ali, em seu lugar, uma garagem. Para sempre vou amar aquela jaqueira. Para sempre vou amar a casa da minha avó. A casa tem muitos segredos, que só olhando de perto se pode ver. Ninguém no mundo todinho tem uma tia menina como a minha. Minha mãe guardou por anos e anos as fantasias de carnaval minhas, da minha irmã e da minha tia menina. Quando adolescente, foi com ela que eu virei a minha primeira noite de pré-carnaval, num clube de Vila Isabel. Colávamos estrelinhas no rosto e fazíamos maquiagem com purpurina. E ela ficou para sempre assim, fantasiada de pareô e com estrelinhas coladas no rosto. Mesmo hoje, com os filhos mais velhos que minha tia menina, ela permanece de pareô e de estrelinhas.

Quer saber mais um segredo? Não é segredo de contar, é segredo de sentir. Se você entrar na casa da minha avó para visitar, não vai sentir os segredos. Tem que entrar para viver, nem que seja viver por duas horas. Tem que viver um natal com show do Ney Matogrosso. Ninguém tem no mundo todinho um Ney Matogrosso tão autêntico quanto o meu tio. Ele foi meu quase primeiro amor. Era mesmo apaixonada por ele, apesar de não me importar que ele namorasse outra. Acho que é porque era amor secreto, amor gerado da casa da minha avó. Porque, mesmo hoje, depois de mais alta, quando as outras pessoas me chamam de adulta, ainda sou apaixonada pelo meu tio Ney. E nem me importei que ele casasse e casasse. E ainda hoje ele dança para mim, a dança do Ney Matogrosso. Todos os natais, muito depois da meia noite, muito depois dos presentes abertos, das comidas comidas e das bebidas bebidas.

E é tarde pra voltar pra casa. Dorme aí, disse minha avó. Eu sabia que ela ia dizer isso. Eu adoro quando ela diz. E minha madrinha busca um colchonete e estica na sala, pra mim. Sim, é a minha madrinha que busca, porque, como eu já disse, padrinhos são tios, mas são especiais. Tem sempre travesseiro e lençol, apesar da quantidade enorme de gente que ficou nesse dia. É por que é mesmo uma casa mágica. Os colchonetes, travesseiros e lençóis aparecem. Eu vou dormir aqui hoje. Amanhã sei que meu padrinho vai à padaria, trazer pão francês, mesmo com tanto panetone e rabanada que ficou. Boa noite, vó.

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