segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A vida a preto e branco


 Tenho saudades de mim mesma. Saudades de um eu que cá está mas que já não se mostra. Saudades de uma vida que a mim me sorria e eu para ela sorria de volta. Saudades de uma inocência que nunca mais voltará.

O passar do tempo cura feridas mas abre crateras. Aumenta distâncias, desfaz mitos, deixa cicatrizes e molda-nos o sorriso. Geralmente o rouba de nós. Vejo crianças muito felizes, a saltar poças d'água, a brincar nos baloiços. Vejo adolescentes em bando a rir de um tudo e de um nada, a criar uma linguagem única. Vejo jovens casais enamorados, a tocarem-se, a abraçarem-se, a sorrir. Vejo adultos preocupados com as contas da vida. Mudos. Vejo velhos tristes, à espera da morte. Estáticos. E pergunto-me o porquê. Quanto mais o tempo passa, menos sorrisos vemos nos rostos dos que vivem, menos vida vemos nos rostos dos que esperam diligentemente pela morte. A vida se descortina aos poucos e vai se mostrando, nua, seca. As cores, antes tão suaves e doces se vão escurecendo, acinzentando-se, perdendo o brilho. O céu, outrora azul, torna-se plúmbeo. E ainda tentamos, escavamos em busca da alegria da meninice, da inocência do antigamente, num eterno faz-de-conta-que-eu-não-sei, na vã tentativa de uma felicidade mentirosa. Boa. E falsa. 

De tanto escavar, cansamos. E vestimos as nossas vestes cinzentas. E esperamos a morte chegar.

Verónica Vidal

4 comentários:

  1. Hummm....muito realístico, eu diria mesmo que está mais pra preto do que cinza ou branco, mas lindo, como tudo que vc escreve mesmo que não esteja tão colorido. Beijos. Amo você!!! A cores!!!

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    1. Ah... Como eu queria que a vida fosse sempre colorida! Mas não é. Beijo! Amo-te um monte!

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    2. Ah... bem que eu queria que a vida fosse sempre, sempre colorida. Mas não é. Talvez, se assim fosse, nos apegaríamos demasiado a ela e a simples ideia da morte nos seria insuportável. Talvez, o excesso de seriedade nos roube um bocado das cores. Amo-te um monte muito grande, assim, em vermelho!

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