A lama sempre lá esteve. As folhas ressequidas sempre estiveram misturadas às verdejantes. Mas meus olhos nunca a viram. Eu admirava com prazer o colorido das flores que hoje não mais existem. Sou o resultado de tudo aquilo que permiti que me influenciasse, que me encantasse, que me tocasse o sentimento. E fechava os olhos para o inverno da vida a fim de me convencer de que o sol brilharia sempre, só porque era esse o meu desejo. O choro era de outrém. A dor nunca foi minha.
Felicidade é um estado de espírito que pede cultivo. E eu a alimentava com alegria, com a vitória do outro, com a boa disposição para o mundo. Adubava a minha felicidade com o sopro do vento, com a esperança de vida. Tentava injetar amor sozinha, como quem se droga, para não ver a falta de amor que rondava à minha volta. Mas a vida é como tempestade: assola-te sem piedade, derruba-te se insistes em ficar de pé. Anula-te, só para mostrar que é assim que deves viver, que é isso o que mereces, o nada. E aceitei. E o véu se descortinou de diante dos meus olhos e vi. Vi a fealdade da vida, os excrementos dos vizinhos, senti o cheiro fétido do ar. Ouvi a maledicência que saía da boca do sacerdote, senti a faca que se enfiava nas minhas tripas pelas mãos dos que eu dizia amar, notei os vergões de chicote nas minhas costas, os grilhões que prendiam os meus pés, numa escravidão torturante e silenciosa.
Hoje arrasto as minhas correntes pela casa, feito alma penada. Ainda penso em fingir felicidade, mas perdi o jeito, esqueci o texto e desisto. Espero que as semanas passem rápido, que os meses se atropelem que a vida se finde.
Verónica Vidal
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