Ainda no outro dia eu te sentia dentro de mim. Sentia a tua vida misturada à minha, sem começo e sem fim. Sabia entretanto que o dia chegaria. O dia em que te separarias de mim. Queria ver-te crescer, queria ver-te vencer, mas queria manter-te dentro de mim. E neste misto de querer, tu quiseste nascer e te apartaste de mim.
E eu te levava nos braços, apoiava-te nos teu primeiros passos, enquanto tu corrias para longe. E te foste. Senti tua falta, senti.
Uma vida se formava dentro de ti, que era a minha vida. Vida dentro de outra e dentro de outra, como um caleidoscópio de amor pulsante, batimentos cardíacos, movimentos constantes. Tua vida cresceu, espigou-se, saiu de dentro de ti. Minha vida dava vida, minha vida alimentava vida. Num misturar de mãos e dedos, de bocas e peitos, eu já não mais encontrava lugar ali, e, tão desnecessária estava, tão longe, que parti. Levei tempo para ocupar meu lugar de expectadora de ti. Ainda calco o chão, ainda dou passos vacilantes, como se só agora eu aprendesse a andar.
Um amor diferente brotou dentro do meu peito. Um amor mais doce, mais livre, sem medos e sem exigências. Uma certeza de sucesso, de perfeição, como se aquele perfume eu já tivesse sentido, como se aquele livro eu já tivesse lido. O livro bom, o perfume suave.
Sei que vais sofrer todas as dores da incerteza, vais verter todas as lágrimas amargas da maternidade dorida, de um amor impossível e sem medida, de um medo constante e terrível. Mas também sei que vais experimentar a felicidade plena, a continuidade da tua própria vida em cada sorriso desdentado, em cada passinho cambaleante, em cada desenho em giz de cera. E eu estarei aqui, expectante e mentirosa, a falar constantemente da minha alegria em te ver crescer com sucesso e longe de mim, quando tudo o que eu mais quero é te pegar no colo, segurar tuas mãos e ajudar-te a caminhar. Mães mentem quando soltam as rédeas do filho. Mães nunca as soltam.
Verónica Vidal
À minha filha Camila, mãe do Pedro, que começa agora a experimentar os sorrisos e as lágrimas dessa mágica chamada maternidade.
Um texto incrível que relata o sentimento de todas as mães do mundo.
ResponderExcluirPerfeito como sempre. E me fez chorar como sempre.
ResponderExcluirAté eu ainda choro ao lê-lo. Por que não podemos simplesmente amar o filho à distância? Ser mãe é complicado.
ExcluirLindo demais!! Bjs no ♡
ResponderExcluirOwn, obrigada! Um beijo grande no teu coração também, Mulher Maravilha!
ExcluirComo sempre um texto impecável, que revela o saber se expressar e, expressar o que sente!! Parabéns a vovó e a filhota, mãe de primeira hora!!
ResponderExcluirObrigada! Hoje entendo porque o amor aos netos é tão doce. É um amor sem medos, suave. Beijo grande!
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