sábado, 24 de outubro de 2009

Vou pintar minha casa de verde e amarelo

Ai, como a vida é difusa e confusa! Porque se espalha deliciosa e tempestuosamente por todos os lados. Confusa porque ora estamos radiantes e desejosas de cheirar todas as florzinhas do jardim, ora estamos dispostas a morrer ao raiar do dia. Será mesmo assim a vida, ou serei eu, com os meus dois lados  femininos, difusa e confusa? Ando mesmo numa onda de romantismo sem remédio, delicioso romantismo desenfreado que me tomou de assalto desde o dia em que aportei no Cairo. Ora, pois é. Pisei meu doce pé na África, pela primeiríssima vez. patinhei nas águas do mágico rio Nilo respirei a poeira das tumbas dos faraós. Voltei assim: Contaminada de romantismo e grandiosidade. Vi mulheres cobertas de lenços e túnicas, mais sorridentes do que as nossas passistas nuas com tapa-sexos. Ouvi os chamados para as orações desde as 4 da manhã, e não ouvi os gritos surdos dos nossos filhos drogados por cola e crack, que às 4 se vão deitar no banco da praça e nos bueiros das cidades. Voltei enxergando o nosso mal hábito de apontar o dedo para a ferida alheia, sem sequer lavar a nossa própria chaga. Isso me lembra a história do cisco no olho do outro e da trave no olho do um. Mal. Como eu posso condenar o tratamento dado à mulher do meio oriente, porque ela se cobre - ou deve se cobrir - quando eu exponho a minha como carne no açougue? Quem é exatamente explorada, humilhada, vendida? Não venho cá defender burcas, até porque falamos aqui do Egito, e burca não faz parte da roupa tradicional da mulher egípcia, e sim da árabe beduína e outras tantas. Venho sim, condenar a escravidão que nós passamos, pela ditadura da beleza e da nudez. Triste ver que nossas meninas desejam antes de tudo participar do novo concurso de miss que é o Big Brother, para de lá saírem vencedoras de uma página central na PlayBoy. Lamentável perceber como reclamamos que do outro lado do mundo a mulher é tratada como objeto, enquanto deste nosso lado as mulheres fruta imperam gloriosamente peladas pelas páginas e telas, vendendo não sei o que. Somos hipócritas, somos promíscuos.

Lamentavelmente tenho vivido num país tremendamente racista. Todos dizem que não o são, entretanto lidam mal com a raça negra, por eles chamados "os pretos". É coisa tão enraizada por aqui, que eles mal percebem os absurdos que falam. Há poucos dias, falávamos numa mesa de almoço sobre Angola. E um pobre de alma abre a boca para vomitar a seguinte pérola: "É pena que aquilo é explorado pelos pretos. Se fossem os brancos, Angola seria uma potência". Imediatamente atirei: "Portugal foi colonizador de Angola durante quanto tempo? Porque não a tornou uma potência?" Enfim, coisas como estas, tenho cansado de ouvir por aqui. Enoja-me. Ando cansada do ser humano pequeno, do ser humano pouco humano. Já não tenho mais o desejo de mudar o mundo e lutar contra a desigualdade e injustiça. Já tenho vontade de simplesmente sair, deixar o pobre de alma a falar como se superior fosse,  vê-lo ir à banca comprar uma Playboy, ligar para a amante, e dizer, orgulhoso, que uma barragem qualquer em Portugal é a maior do mundo. Vou para casa. Pintá-la de verde e amarelo.

3 comentários:

  1. Engraçado, Verónica, que comentava isso com o meu namorado ainda neste último final de semana.

    Muito bom texto!

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  2. Humm...Susanna... Namorado... e eu que não o conheço? Fui lá no teu álbum fuçar. Lindo beijo, amiga! Aí vai mais uns: Beijos muito brasileiros para ti!

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  3. É, Humberto... ainda precisamos crescer muito para nos tornarmos gente grande. Quando éramos guris, lá no Rio, eu achava que quando ficasse adulta, seria gente grande e estaria rodeada de gente grande. Ledo engano, amigo. Beijinhos e obrigada pelos elogios. Vindo de ti, são mais que especiais.

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