segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A vida a preto e branco


 Tenho saudades de mim mesma. Saudades de um eu que cá está mas que já não se mostra. Saudades de uma vida que a mim me sorria e eu para ela sorria de volta. Saudades de uma inocência que nunca mais voltará.

O passar do tempo cura feridas mas abre crateras. Aumenta distâncias, desfaz mitos, deixa cicatrizes e molda-nos o sorriso. Geralmente o rouba de nós. Vejo crianças muito felizes, a saltar poças d'água, a brincar nos baloiços. Vejo adolescentes em bando a rir de um tudo e de um nada, a criar uma linguagem única. Vejo jovens casais enamorados, a tocarem-se, a abraçarem-se, a sorrir. Vejo adultos preocupados com as contas da vida. Mudos. Vejo velhos tristes, à espera da morte. Estáticos. E pergunto-me o porquê. Quanto mais o tempo passa, menos sorrisos vemos nos rostos dos que vivem, menos vida vemos nos rostos dos que esperam diligentemente pela morte. A vida se descortina aos poucos e vai se mostrando, nua, seca. As cores, antes tão suaves e doces se vão escurecendo, acinzentando-se, perdendo o brilho. O céu, outrora azul, torna-se plúmbeo. E ainda tentamos, escavamos em busca da alegria da meninice, da inocência do antigamente, num eterno faz-de-conta-que-eu-não-sei, na vã tentativa de uma felicidade mentirosa. Boa. E falsa. 

De tanto escavar, cansamos. E vestimos as nossas vestes cinzentas. E esperamos a morte chegar.

Verónica Vidal