sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Mamãe Super Poderosa

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Minha mãe tinha poderes especiais. Acho mesmo que era uma super-heroína disfarçada, com identidade secreta e mãe. Hoje fico a pensar em como ela se desenrascava com casa, 3 filhas, escola, marido, educação das filhas, orçamento apertado, etc, etc e etc. Mudamos de casa umas poucas vezes. Nasci em Jacarepaguá mas de nada me lembro desta época. Era ainda bebê quando nos mudamos para uma casa de vila na Abolição. Lá vivi minhas primeiras aventuras infantis. Construí meus primeiros castelos, iniciei minha vida social na pré-escola do bairro. Foi naquela casa e naquela pré-escola que aprendi a ler e a escrever, aos quatro anos. Não me lembro bem como, mas fui aprendendo, conforme minha irmã, de 5, vinha sendo alfabetizada, eu pegava carona no seu be-a-bá e acabei por ler também. Nunca tive cartilha, mas me lembro da mamãe tomando as lições da minha irmã. Tive sorte. Minha tarefa era somente cobrir ou pintar. Naquela casa aprendi a derramar o Nescau no ralinho da pia sem salpicar uma gota, para que mamãe nunca desconfiasse que eu não tinha tomado o leite todo. Naquela vila eu e minha irmã, junto com minha tia menina colocamos nossas primeiras unhas postiças, feitas de pétalas de maria-sem-vergonha, que crescia numa touceira, no quintal da vizinha. Colávamos as pétalas com saliva e assim ganhávamos imensas unhas postiças, já bem pintadinhas de cor-de-rosa.
E minha mãe, com poderes especiais, tinha sempre um lanchinho pronto à hora certa. Cinco da tarde era hora de lancharmos, e lá estava o pão, ou o bolo, ou os biscoitos retirados de uma enorme lata de alumínio que morava em cima do armário – bem longe das nossas mãos, pois senão o cardápio diário seria biscoitos do café da manhã ao jantar.
Não havia aniversário sem festinha. E festinha de aniversário para a minha mãe, tinha que ser especial. Com lembrancinhas feitas de isopor, confeccionadas em casa, docinhos e salgadinhos, nenhum encomendado. Nossa casa se transformava numa verdadeira fábrica de fazer festas, meses antes, quando os enfeitinhos eram então preparados. Vovó ia invariavelmente lá para casa, no dia da festa bem cedinho, e fazíamos cajuzinhos. Mamãe confeitava o bolo, com o saco de confeitar e seu inseparável bico pitanga. Cada festinha tinha um tema diferente, um personagem diferente e não se poderia repetir. Com 3 filhas, eram 3 festas de aniversário por ano. Tivemos Chapeuzinho Vermelho, Moinho Holandês, Festa Junina, Branca de Neve, e um sem fim de personagens que desfilavam pela casa depois das festas e se iam estragando aos poucos, à medida das nossas brincadeiras e fantasias. Alguns, eram delicadamente guardados numa sacola grande, como lembrança última, feito um tesouro, e, vez por outra, nos era permitido fuçar o saco das lembranças, que ficava a salvo das nossas mãos destruidoras, em cima do guarda-roupa.
O tempo passou e das festinhas restaram algumas fotos. Minha mãe ainda fez algumas festinhas coloridas para minhas filhas, mas eu não herdei dela os poderes especiais de conciliar tanta coisa e tudo sair perfeito. Já vivia então na época do “comprar pronto”, dos kits festinha e depois do festinha nenhuma, da celebração num restaurante, enfim, cortei muito da magia dos aniversários das minhas filhas. Mamãe se foi e com ela levou sua fantástica fábrica de festinhas. Definitivamente não tenho poderes especiais. Não conseguia manter a casa impecavelmente limpa e as latas de mantimento semanalmente areadas com Bombril, na minha casa nunca brilhariam. Não sei fazer a pizza de sardinha de massa alta aos sábados, nem o pão-de-ló molhado com calda de abacaxi. Nunca aprendi a confeitar um bolo e nem tenho bico pitanga. Minhas plantas morrem. Todas. Eu tive uma mãe super-poderosa. Talvez a kriptonita da minha vida tenha enfraquecido os meus poderes, ou nunca os tive mesmo. Desculpe, filhas.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

UMA GRANDE MULHERZINHA

Gosto de corações cor de rosa. Queria ter sido bailarina. Gosto dos vestidos de época que apareciam na novela A Moreninha. Gosto de ursinhos e bonecas. Gosto de ser mulher. Gosto de coisas de mulherzinha.

Mulherzinha para mim não é pejorativo, é grandeza e não diminutivo. É ser forte e delicada. Minha tia preferida me dava presentes de mulherzinha. Ela me deu minha primeira melissa. Quem tem 30 ou 40 anos sabe a importância que tinha uma melissa para uma menina mulherzinha. Acho que foi a única que eu tive, não me lembro. Mas se tive outra, certamente aquela foi a mais importante. Era a melissa zig-zague com purpurina. Natal, aniversário, qualquer data eu ganhava um presente e era sempre aquele que eu queria. Um pouco mais adiante, passei a usar, escondido, sua maquiagem. Abria a porta do armário e, diante do espelho grande usava tudo: batom, lápis, sombras. Lavava tudo depois pra ninguém descobrir, mas passei séculos fazendo isso. Só hoje percebo que ela sabia, mas nunca brigou comigo. Ela me deixava ser mulherzinha. Eu também queria, como ela, cozinhar a comida mais gostosa e chegar à festa sendo a mais bonita. Nunca consegui de verdade. Aprendi a cozinhar, mas não sei ainda fazer as duas coisas. Ou bem cozinho ou bem me arrumo para a festa. Mas um dia, um dia... Serei igual à minha tia.

Ela é minha madrinha, mas logo tive que dividi-la com a metade da família. Secretamente eu odiava os abraços que ela dava nos meus primos, que a chamavam de “dindinha”. Socialmente eu tinha que me comportar, por isso não falava nada, mas desejava ardentemente que fosse criada uma lei para revogar batizados de madrinhas já usadas. A madrinha era minha e ninguém podia ficar pegando o que era meu sem minha permissão. E eu não dava permissão. Nem dou. Não é ciúme, é direito adquirido. Dividir mãe e pai com irmãos ainda vá que vá, mas dividir a madrinha? Que os outros catem madrinhas exclusivas, parem de aliciar a madrinha alheia!

Mas o tempo passou e eu não posso mais sentar no seu colo nem ela pode mais pentear meus longos cabelos embaraçados sem doer. Quando eu era pequena, ela me parecia adulta, muito maior do que eu. Se tiver a oportunidade de conhecê-la, verá que não exagero. Ela é sofisticada e simples. Sabe tudo e sempre está aprendendo. Sorri e chora ao mesmo tempo. Hoje, a diferença de idade sumiu. Falamos as mesmas coisas, amamos o mesmo Deus, respiramos o mesmo ar. Ainda acho que Deus a criou para ser a minha mãe, mas ela demorou muito para nascer, então nasceu minha tia. Por que, quando eu crescer, vou ser igualzinha a ela. Uma grande mulherzinha.





Verônica Vidal, afilhada de Gisele Carvalho, ambas filhas de Deus e que gostam de canetas bonitas e laços de fita. Peço encarecidamente que parem de convidá-la para ser madrinha de seus filhos. Ela não pode, está ocupada. Por favor, deixe o seu recado após o sinal. Bip.

Quero visitar sem ter motivos, telefonar sem ter assunto. Quero aproveitar o tempo com pessoas.

Hoje percebi que cresci. Percebi que nalgum dia desses tornei-me adulta e nem vi em que dia foi.

Minha avó casou-se muito cedo, como era costume na época, e teve 3 filhos, dentre os quais o meu pai. Enviuvou, como era comum na época. Casou-se de novo e teve mais filhos – não resisti a dizer que também era comum na época, e arrisco a me tornar repetitiva e o leitor achar que não tenho assunto, mas vá lá, sou mulher, gosto de detalhes. Meu pai era o segundo filho. Casou-se e teve filhas, eu inclusive. O irmão dele, terceiro filho da minha avó casou-se e teve filhos. Quem tem família numerosa sabe bem do que eu falo. Tudo isso para dizer que eu e minha prima, filha do filho número 3 da minha avó, éramos muito próximas. Mas muito, muito mesmo. Tínhamos muitos primos, mas ela era a minha preferida, tinha 1 ano a menos que eu e tinha coisas que eu gostaria de ter e amigos que eu gostaria de ter. Tinha cachinhos no cabelo que eu gostaria de ter. Passamos toda a infância juntas, festas de aniversário, natal e ano novo, que naquela época não se chamava Reveillón, e ainda parte de boas férias. O mais interessante mesmo era as visitas de fim-de-semana, inesperadas, quando brincávamos à tarde. Foi na bicicleta dela que aprendi a dar as primeiras pedaladas.

Crescemos e, como é esperado, nos afastamos. Cada uma tomou sua vida de acordo com o rumo que nossos pais adotaram. A vida dela foi breve, um sopro. Mas para mim foi sempre a minha prima mais prima.

Num dia de tão pouca importância para mim, talvez a meio da adolescência, soube que a mãe dessa minha prima estava grávida. A raspa do tacho, como se dizia. Nasceu-lhe o bebê, uma menina. Não a vi crescer, pouco falei com ela. Nunca fui visitá-la, pois já vivia a vida de uma mulher de muitas responsabilidades e tinha prioridades e horários tomados. Algumas vezes passei pelo seu bairro, pela sua rua até. Mas nunca toquei à porta. Faltava-me motivos para isso. Como se precisássemos de motivos para tocar à porta da casa da prima. A única coisa que eu sabia dela é que era parecida com minha prima favorita. E bastava.

Até que sua mãe morreu. Morreu minha tia, que fechava o ciclo da minha infância querida com a minha prima. Morreu minha tia, depois do meu tio e depois da minha prima. Por alguma razão que a gente não entende, a partida da minha tia foi a mais doída, somente comparável à partida da minha mãe. Fui ao velório. Vi minha prima, menina ainda, grávida, chorando pela terceira vez a perda de um alguém. Ficou-lhe o irmão, adulto, homem feito. Ficou-lhe o namorado, que entretanto, ainda construía história. Ia-lhe o chão.

Chorei a morte da minha tia sozinha em casa, porque os laços que nos prendiam já se haviam desatado, naturalmente ou não. Pela vida, pelo vento, pelo meu desleixo.

Estranhamente notei que cresci. Essa minha prima, já não mais menina, casou-se. Ainda que tivesse experimentado a maternidade e a convivência conjugal, só acordei para a sua passagem à vida adulta ao ver suas fotos de casamento. Eu por cá, do outro lado do mundo, observei-as, uma a uma. Fotos de sonho, de princesa no cavalo branco, de príncipe à espera. Uma frase me acordou para a realidade. Ao descrever uma das fotos, diz ela: “Minha tia, representando minha mãe”. Pensei nas férias em Iguaba, e das quantas vezes a minha tia representou a minha mãe.

À memória da Tia Tete