sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O que aprendi com meus gatos.

Definitivamente, gato está na moda por estes lados de cá. No início, pensei logo: resultado da crise. Sim, gatos são menos dispendiosos do que cães. Exigem menos, dão menos trabalho, comem menos e adoecem menos. Quando o cinto aperta e o desejo de ter um pet grita no nosso relógio biológico, acabamos por optar por um gatinho. Mas o fato é que nem foi assim que virei gateira.

A coisa foi aos poucos. Como vivo numa aldeia, por lá havia uma gata que pariu e deixou um filhotinho. Mais tarde ficamos a saber que era fêmea. A gatinha por ali ficou e eu comecei a alimentá-la. Ainda sem conhecer a relação entre gatos e seres humanos, deixava-a livre e solta para ir e vir dentro e fora de casa. Aos 4 meses a gatinha morreu atropelada.


Anos mais tarde, ofereceram-me um gato. Assim, de sopetão. Sua família iria viajar e não podia mais ficar com ele. Apaixonei-me por ele. Comprei brinquedos de gato, caminha, árvore e todos os mimos que apareciam eu queria dar-lhe. Ele gostava de passear no jardim e, como todo gato, explorar as redondezas. Fiz-lhe as vontades e ele sempre voltava. Como estava castrado, eu acreditava que estaria livre das brigas de rua, que não fugiria. Não pensei que o maior perigo nesta selva de pedra em que vivemos são os carros. Quando ele foi atropelado e rastejou até à porta de casa, suportou uma cirurgia na anca e uma semana de dores até morrer quietinho, só então enxerguei que não podemos fazer-lhes as vontades. Se ele fosse meu filho eu não o deixaria ir à rua, ainda que ele pedisse e chorasse. Vi que gatos estão preparados para os perigos naturais das florestas, dos desertos, da vida silvestre, mas não para esses monstros de 1.500 kg que colocamos nas ruas que cortam os seus caminhos e que correm a uma velocidade maior do que a dos linces. Sofri o luto e ainda sofro ao pensar no Snow.


A essa altura, eu já frequentava várias páginas sobre gatos nas redes sociais. Sou contra o comércio de animais, pelos motivos mais óbvios. Não se deve vender gente, não se deve vender bicho. Há gatos abandonados pelas ruas e dar um lar a um gato ter um sabor especial. Assim soube da Gatos Urbanos de Coimbra e adotei a Kitty, através de uma doce senhora. Kitty é uma gatinha castrada e gorducha, muito calma e preguiçosa, que com o tempo ensinou-nos um sem números de coisas:

Somos nós quem atendemos aos seus pedidos, não ao contrário. E fazemo-lo com prazer. Se ela deseja deitar no nosso colo e ser acariciada, ela mia e obriga-nos a sentar num determinado sofá. Quando eu chego a casa, ela mia em frente à caixinha dela, a dizer: "Limpa a minha caixinha" e não desiste enquanto a caixinha não estiver limpa. Kitty nos ama sem fazer alarde. Se chega uma visita ela se esconde. O amor dela é somente para nós, mais ninguém verá. Ela me ensinou que o amor que um animal desperta em nós é diferente de amor de filho, de pai, de mãe, de amigo. Não é maior nem é menor, porque amor não se mede. Mas importa que permitamos que ele seja despertado, pois podemos conviver uma vida inteira com o nosso cão, o nosso gato, o nosso irmão, pai ou mãe e nunca amá-los, apenas habituarmo-nos a vê-los por ali e até a sua presença nos agradar. Mas isso não é amar a eles. É amar a nós.

Verónica Vidal

quinta-feira, 2 de julho de 2015

O Medo, o Bruxo e o Gato

Às vezes - só às vezes - temos medo de pessoas. Algumas delas parecem ter o poder de perscrutar
perscrutar

"perscrutar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/perscrutar [consultado em 02-07-2015].
perscrutar

"perscrutar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/perscrutar [consultado em 02-07-2015].
dentro de nós uma qualquer coisa que não queremos revelar. É como se os olhos desnudassem a nossa alma e um vento impossível arrancasse a invisível capa protetora de nós mesmos e nos deixasse ali.    Expostos.

Ainda outro dia conheci alguém assim. Com malvados poderes de bruxo vidente. Senti-me no confessionário da igreja, a ter que me confessar para poder finalmente usar o vestido branco da primeira comunhão. Precisava então inventar bons pecados, daqueles que não me prendessem muito tempo nas rezas mas que me permitissem ganhar o vestido. Mas meus 11 anos já lá vão longe e há muito não me confessava. Perdi o jeito. Fui descoberta.

Saí fugida feito o gato ainda não conquistado, com um naco de atum na boca. Por mais bem falante que sejamos, por mais cursos que acumulemos, por mais idade que tenhamos, seremos sempre meninos analfabetos e mudos diante daquele que nos enxerga a alma. Até que chegue o dia em que, assim como o mais ressabiado dos gatos, deixaremos que nos afague o pelo.

Verónica Vidal

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Desintoxicando a vida



Esta última semana ponderava terminar minha conta no Facebook. De algum tempo para cá, os posts agressivos tornaram-se cada vez mais frequentes e isso causa-me um tremendo mal-estar, especialmente porque tenho como amigos em rede social pessoas que me são caras.

Não curto a forma agressiva de explanação do Malafaia – apesar de, em linhas gerais, concordar com o teor – e sinceramente acho que muitos nem prestam atenção ao que ele diz, justamente pela forma colérica como fala. Já pensam em contra-atacar. Curto ainda menos os contra-ataques. Foi altamente deselegante um jornalista do porte do Boechat abrir a boca na rádio e dizer “para falar em bom português, vá procurar uma rola” ao pastor Silas Malafaia. Primeiro, isso não é português, isso é ofensa. E que ninguém me venha com a historinha de que "rola é passarinho" ou que "ele que começou". Poupem os meus neurônios. Português é o lindo idioma que eu falo. Pessoas ofenderem-se umas às outras em palanques, púlpitos, rádios, midias sociais, tem outro nome: agressão verbal. Não curto, não repasso, não acho legal. Deveríamos estar acima disso.
Entretanto, foi aniversário da minha filha e vi as fotos da celebração. É verdade que se eu deletar a conta, ela acaba por me mandar algumas fotos por whatsapp. Mas decidi que não é o comportamento de outrem que há de determinar a forma como eu levo a minha vida. Portanto, vou apenas excluir os que repassam posts e comentários que me incomodam. Não deixo de amar ninguém e não deixo de ser amiga, mas não concordo. Quero a minha página elegante. Quero a minha página da paz. Sou cristã. Desde os 22 anos convertida após uma pregação do próprio Malafaia. Mas sempre frequentei a igreja Batista porque meu temperamento é outro. E respeito toda e qualquer religião. Até quem não tem nenhuma. E respeitar é saber que a pessoa tem o direito de professar a sua fé, e não tem direito nenhum de ridicularizar a minha nem de me colocar no mesmo balaio de maçãs envenenadas. Se alguém me der doce de Cosme e Damião eu vou comer – hoje não, porque preciso manter a dieta. Acredito que meu Deus é maior do que essas bestices pequenas. Mas morrerei respeitando o meu irmão de fé que não toca num saquinho. Eu não disputo santidade com o meu irmão, até porque sei que vou perder a disputa no primeiro round.

Eu tenho um montão de amigos homossexuais e outro montão heterossexuais. Tenho certeza de que todos eles são pecadores. Coincidência, eu também sou. Então, porque ficar com essa coisa desgastante de isso é gay, aquilo não é gay, vamos governar para os gays, orgulho hetero, orgulho gay?
Eu passo a minha vida tirando bocadinhos de sangue para saber se ele vai ou não prestar para os próximos 6 meses. E terei que fazer isso para o resto da minha vida, seja ela mais curta ou mais comprida. Isso me incomoda, mas não tanto quanto ver meus amigos falando de vinganças, propagando o fim do Cristianismo, apoiando intolerância religiosa, isso sim, me consome. Isso é mais tóxico do que os 30 comprimidos por dia ou do que o saquinho de líquido amarelo descendo pela veia. 
É hora de desintoxicar.

Verónica Vidal

quarta-feira, 17 de junho de 2015

♫ Caminhando e cantando ♪

Aventura em imagens

Ter visitas em casa é a coisa mais chata do planeta. Eu não tenho o menor talento para fazer sala, para servir coisinhas. Por isso eu opto por receber amigos. Amigo tem que aprender de imediato onde ficam os copos e onde é o caminho da geladeira. Amigo precisa saber logo como se abre a janela do banheiro e onde fica o Gleid, porque nessa vida humana, nenhum de nós bebe perfume.  

Ter uma família como a minha é uma bênção sem tamanho. Porque todos são deliciosamente aconchegantes, maravilhosamente barulhentos e completamente diferentes uns dos outros. 

Minha tia Denise - a eterna miss - trouxe seu marido e todo o seu frescor para a minha casa. Senti-me como que roubando o tempo dos dois, como a criança que ganha um brinquedo no Natal e quer brincar com ele de dia e de noite, e acaba por capotar por falta de energia mas nunca por falta de vontade. 

E eles haviam feito um desvio em sua viagem de férias pela Europa, só para me visitar. E eles ainda ficaram mais uns poucos dias, só para me agradar. E cantaram e tocaram violão. E fizeram show de música brasileira numa casa de fados de Coimbra. 

Nessa visita descobrimos que um Mário português tem parantesco próximo com um Ademar baiano. Em algum lugar na história o DNA destes maridos se misturaram de forma tal, que um ficou como o outro e o outro como o um. Mais ou menos assim. É bem verdade que Mário não toca violão tão bem como o Ademar, mas reconheço que eu destruo com maestria toda e qualquer música que começar a cantar. Nós os quatro fazemos dois casais perfeitos. Musicalmente falando, também.

Eu acho que, quando perdemos nossa mãe, catamos migalhas de amor de mãe aqui e ali. E reconhecemo-lo mal ele desponta. Porque é só quando se ama muito uma pessoa e se  tem a liberdade de dizer: "Não pinte seu quadro de amarelo. Você será mais feliz se pintá-lo de vermelho. Eu já pintei quadros, e é melhor o vermelho, vai por mim." E diz-se porque o desejo que o outro seja feliz é maior do que o desejo de ser aprovado. Quem ama, não liga se o outro vai ficar amuado. Ele diz: "Não sobe na árvore, que você cai."
E então senti-me amada. Ainda que a minha tia seja muito mais jovem do que a minha mãe seria, senti aquele calor de conselho de mãe, que é coisa impossível de descrever. 

E por cá ando eu, juntando as minhas tintas vermelhas. Porque descobri que esperto é aquele que aprende com os sábios.

Ao Ademar, sábio homem que roubou o coração da tia Denise.
À minha tia miss, que sempre foi linda mas é mesmo estonteante por dentro.

Verónica Vidal

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Uma vida com muita vida

Estaríamos hoje todas juntas na casa da mamãe, a celebrar seus 73 anos. E ela, com seus imensos olhos cor de mel, inevitavelmente choraria. 

Quantas e quantas vezes vem-me à cabeça um pensamento recorrente: "vou contar à minha mãe", para imediatamente depois eu sacudir esse pensamento da ideia porque a lembrança de que minha mãe já não está aqui estala como um flash. Sinto um misto de idiotice e tristeza num segundo, para logo então voltar aos meus afazeres cotidianos e bestinhas.

Nunca consegui me lembrar a data da morte dos meus pais. Na minha cabeça, seus epitáfios têm somente as datas de nascimento. Ambos são de 1942. Ambos morreram eu tinha pouco mais de 30 anos. Entretanto, as datas de aniversário, aniversário de casamento, essas sim, eu nunca esqueci. Há de ser a seletiva memória que tenho, que só escolhe os bons momentos para guardar. 

Uma das provas mais duras que uma pessoa pode passar na vida é ficar sem mãe. Em qualquer idade, perder a mãe é perder o chão, perder o colo, a segurança do aconchego. É ter que viver sozinho, ainda que se esteja rodeado de irmãos, marido, mulher, filhos. Temos então que, finalmente, crescer. Porque não é somente a mãe que enxerga o seu filho como uma criança. O filho, enquanto tem mãe, será sempre meio criança, simplesmente porque pode ser. E essa obrigação de crescer de repente dói.

Nunca consegui, e sei que jamais conseguirei ser melhor mãe para as minhas filhas do que a minha foi para mim. D. Lina nasceu com o dom divino da maternidade. Tomava tabuada, botava de castigo, dava chinelada e enchia de carinho. Cresci vendo a minha casa sempre com muitas crianças. Minhas irmãs, minha tia menina Licinha, Cláudia e Adriana que eram as filhas da vizinha, minha prima Monique, a Gracinha, filha da tia Miloca, e um pouco mais tarde, meus primos Daniela e Leonardo. E iam por variados motivos. Para passar um fim de semana, um bocadinho das férias, para a mãe ir à faculdade, ou só porque sim. Mamãe sempre ficava feliz com aquela meninada toda. Não foi diferente quando nasceram as minhas filhas. Sei que a vovó Lina, apesar de ter partido cedo, será para sempre a referência de avó para elas. Porque algumas pessoas, vivem muitos anos, mas na verdade vivem pouco. Minha mãe, viveu poucos anos, mas viveu muito. Viveu nos sonhos que teve, no amor que derramou, nos livros que leu, na intensidade de cada gesto.

Mamãe, feliz aniversário! (até breve)

Verónica Vidal

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Dia das Mães sem Mãe

Retirantes - Cândido Portinari (1944 - óleo/tela)
Mês de maio tenho sempre aquele misto de felicidade e tristeza. Aquela melancolia misturada ao cheiro das laranjeiras em flor que perfuma a cidade e nos obriga a abrir um sorriso involuntário. A certeza de que o comércio já inundou as ruas e lojas com publicidade sobre o Dia das Mães junto com as primeiras flores que desabrocham e anunciam a primavera. E eu tento esquecer o tal Dia das Mães e focar-me na estação das flores. Faço de conta que não é comigo, sinto-me com sorte por ter o primeiro domingo já passado e espero que o segundo domingo voe. Em Portugal, celebra-se o Dia da Mãe no primeiro domingo. No Brasil, a festa fica para o segundo domingo de Maio. Minha mãe deixou-nos cedo demais e o dia da mãe sem mãe não tem graça nenhuma. Eu vivo a muitos milhares de quilômetros das minhas filhas e faço de conta que tudo isso é normal. Quero só que o dia passe e que imagens de mães e bebês e abraços e flores sumam dos cartazes da cidade, da TV, da tela do meu computador. É meu maio egoísta. É meu desejo Grinch de dia das mães.

Olho-me ao espelho todos os dias de manhã, quando acordo com a cara amassada e vou lavar o rosto e os dentes. Todos os dias de manhã vejo traços da minha mãe. D. Lina está aqui, estampada na minha cara, impedindo-me de esquecê-la. Maldita saudade desgraçada que não me serve de nada, que não me permite pegar um avião para matá-la. Saudade cretina que não me deixa mandar mensagens por e-mail, carta, facebook, um telefonema. Saudade dolorosa, que não cura com o tempo, saudade mentirosa.

Refugio-me milhões de vezes nas minhas memórias de infância e invariavelmnete perguntam-me o porquê de eu reviver e relembrar tão claramente situações corriqueiras tão antigas. Lembranças doces e bestas. Lembranças em que mamãe estava conosco, cuidando, ralhando, brincando, levando a passear, obrigando a comer, protegendo, existindo. Minhas irmãs então estariam para sempre ali, minha mãe estaria para sempre ali. Era uma época de segurança onde perder qualquer uma dessas coisas era inimaginável. Por mais que eu tente me retirar do presente é impossível retornar ao passado, desdizer o já dito, desviver o vivido, ressuscitar o morto. Resta-me a lembrança, num eterno Vale a Pena Ver de Novo, em infinito rebobinar.

Não quero que minhas filhas sofram de saudades, essa praga é cruel. Quero antes que elas me desprezem por um motivo qualquer e assim nunca terão um amargo dia das mães sem mãe. Hão de desfrutar todos os dias de mãe longe, de mãe ausente, de mãe distante. Hão de viver suas vidas felizes e coloridas sem lembranças do tempo bom porque o tempo bom delas será sempre o tempo presente. O dia seguinte das minhas meninas será sempre melhor do que o dia de hoje, que foi muito melhor do que o de ontem. É isso o que eu quero. E eu me retiro, saio de cena, quietinha, sem fazer ruído, para não acordá-las.

Verónica Vidal

sábado, 25 de abril de 2015

O Incrível Mistério da Escova de Dentes Desaparecida - e outras coisas

Temos que concordar que existe um buraco negro na casa de todo ser humano. Para esse buraco, sem fundo e sem localização específica, vão as agulhas, as tesourinhas de unhas, os botões que guardamos com afinco para um dia repormos naquela blusa linda e, quando cai um botão dela, nunca mais achamos o sobressalente. Por que? Porque ele foi parar no buraco negro. Muitas vezes o pé de uma meia é sugado, sem dó nem piedade pela força do terrível buraco. Ainda outro dia, havia um chocolate lá em casa. Tenho certeza de que ele foi parar no buraco. Eu não comi. Só pode estar no hediondo lugar misterioso.

Fico indignada com algumas coisas que subitamente desapareceram do mercado, apesar de serem adoradas por 9 entre 10 brasileiros. O lanchinho Mirabel, por exemplo! Nos anos 80/90 e mais além um bocadinho, era a merenda preferida para a lancheira da escola. Alguém realmente acredita que simplesmente pararam de fabricar? Treta! A receita com certeza foi parar no buraco negro misterioso da fábrica. Fizeram imitações, mas nunca mais conseguiram o fantástico lanchinho Mirabel.

Resolvi botar a boca no trombone porque dia desses, minha sobrinha veio passar uns dias cá em casa. Chegou de Dublin, com uma malinha e uma escova de dentes amarela. Já lá se vai o tempo em que a parentela chegava de visita com mala e cuia pois hoje em dia, com os voos low cost a cobrarem pela bagagem de porão, só dá para uma malinha com três calcinhas e um casaco. Enfim, Luciana vem curtir um fim de ano lusitano com a velha tia e tudo está muito bem até que...sua escova de dentes amarela desaparece. Misteriosamente. 

Claro, compramos outra escova mas a curiosidade em saber como o objeto havia se evaporado do nada corroía o nosso cérebro. A pobre menina voltou para a Irlanda  com uma réplica da sua escova original, carregando as minhas promessas de que eu moveria mundos e fundos para encontrar a escova amarela sequestrada. 

3 meses se passaram e nada da escovinha aparecer. Coincidentemente ou não, nenhuma tesourinha de unhas apareceu nem o lanchinho Mirabel voltou ao mercado. Voltamos a falar no assunto, quando chegamos à conclusão de que o desaparecimento só poderia ter sido por obra de extra-terrestres que, obviamente, tinham intenções criminosas de fazer experiências com o DNA humano - no caso, da Luciana, tomar a forma humana e invadir a Terra. Conclusão mais óbvia, impossível.

Há quem acredite em coincidências. Há quem prefira Pepsi ao invés de Coca-cola. Eu sou das que pede Coca-cola mas, na falta, aceita a Pepsi, enfim, sou normalzinha. Coincidência para mim não existe. Minutos após minha conversa com Luciana, ao chegarmos à conclusão de que estávamos perante uma iminente invasão de ETs, o que é que eu encontro no quarto de hóspedes, debaixo da plataforma de exercícios que era suposto eu usar todos os dias para ficar em forma? Sim, amados. A escova amarela, na sua capinha amarela. Ah, e uma rolha, mas isso não vem ao caso.

Verónica Vidal - investigadora, colaboradora dos XFiles, caso eu desapareça misteriosamente, é porque fui abduzida. Nem vale a pena me procurar na área 51, isso só funciona com americanos. 51 para brasileiro serve só para juntar limão, açúcar e gelo.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

E por falar em Amor...

A renovação da vida sempre me fascinou. E cada dia mais. Somos todos sementes, somos todos transformados dia a dia. A vida nasce e morre, todos os dias. Jamais viveremos o ontem e o hoje é o amanhã que tão ansiosamente temíamos ou que tão desesperadamente desejávamos. O que realmente importa, o que realmente permanece, é o amor. Este sim, cresce e pulsa dentro de nós, transborda de tal forma que contagia os que estão à nossa volta, os que estão um bocadinho mais distante, mas sentiram a doce brisa que irradiamos. O amor é multiforme, ele se expressa no olhar, nas ações, nos cuidados e nos sorrisos, na aceitação de que não há ninguém perfeito e que cada pessoa é o que é e o conjunto das diferenças é que faz o bonito ser tão belo.

Dia 10 de Abril minha avó Alice completará, com a graça de Deus, 94 frutíferos anos. Desta vida rica e cheia de amor, foram gerados 8 filhos que lhe deram 20 netos e 16 bisnetos sendo o mais novinho deles o Pedrinho, nascido de fresco, com apenas 1 mês e cheio de amor para dar. Cada um com a sua porção de maridos ou mulheres e ali não há discriminação: Todos somos tios ou primos.

Já toda a família está alvoroçada em torno da festa de aniversário da vovó, num rebuliço só, onde todos falam de tudo ao mesmo tempo e acabam se entendendo mesmo assim. É que agora, a varanda da vovó foi transportada para o whatsapp. Ficamos ultramodernos e o papo da varanda precisava continuar, apesar das distâncias e das limitações de cada um, o amor deu um jeito de transpor esses limites e fez com que Brian Acton e Jan Koum criassem o whatsapp só para que nós continuássemos o nosso conversê - sorte deles, venderam o aplicativo e ficaram riquíssimos. Esse é o poder do amor!

Nós, os netos que tivemos o privilégio de crescer tendo a vovó a ajudar nos preparativos das nossas festinhas de aniversário, sabemos da importância e de toda a ansiedade gerada em torno da festa. Até mesmo as gerações mais novas, que já chegaram com os buffets e grandes eventos que substituíram o bolinho com guaraná, foram contaminadas pela sapequice da festa. Os agregados, que não nasceram da barriga mas que se amontoam nos espaços quentinhos do coração, já adoeceram da doença da festinha, que sempre vira um festão. E cada um leva um prato. Todos participam. A família ficou chique, a casa da vovó virou mansão. E Deus resolveu que era melhor recauchutar a saúde de quem não andava muito bem. Mandou tirar uma pedrinha daqui, desentupir uma veia ali, consertar um ossinho acolá, só para que a festa da vovó fique perfeita.  Pode ser difícil de imaginar, mas quem por lá passar, saberá que o que eu digo é verdade. A casa da minha avó é mágica. Pode ser que o riso que por lá ficou e nunca de lá saiu entranhou-se nas paredes trazido pelo vento que atravessava o pau-que-ri. É por isso que a casa brota vida e riso. É um bebê que nasce e outro que ensaia seus primeiros passos. É a tia que esqueceu sua história mas é tão cercada de carinho que a sua história de amor, essa não lhe deixam esquecer.

Vejo tudo de longe, mas não alheia. Minha avó hoje demonstra seu amor e aprovação com sorrisos e gestos. Sua voz cansada já nos aconselhou o suficiente e sua vida simples mostrou-nos a importância dos laços de carinho e zelo pelo exemplo. Sua grande família agora, espalhada pelo Brasil e fora dele, mantém-se acorrentada por doces e invisíveis elos de união, de desejo de estar junto, de um perdoar alguma coisa que se fez em nem se lembra o quê, de celebrar a vida, de amar. Amor é o cuidar daquela pessoa que temos ao nosso lado, e que já não nos pode ser útil fisicamente, muitas vezes nem intelectualmente. Mas cuidamos porque amamos, só por isso e nem mais. Não vamos receber um benefício fiscal nem uma herança nem uma medalha. Amor é perguntar no whatsapp: ela precisa de fraldas? Qual é o tamanho? Amor é fazer tudo isso e ser feliz.

Verónica Vidal - neta, filha, sobrinha, prima, esposa, mãe, etc... tenho um imenso orgulho da minha família, daquele pedacinho de céu, onde todas as tribos, povos e raças se reúnem para celebram a vida. Feliz aniversário, vovó!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor

Como é doce essa tristeza, como é quentinha esta caverna. O conforto que a quietude nos dá muitas vezes é perturbado por aquele que simplesmente não consegue enxergar beleza na tristeza. Não consegue ver a vida no luto. Não percebe que existe uma casa no meio do silveiral e que a casa não quer que as silvas de lá saiam. Não agora, deixa-as ali, fazem-lhe companhia, aquecem-na no inverno, protegem-na do sol de verão, guardam-na com seus espinhos.
Todos somos, vez ou outra, como casas escondidas no meio de espinheiros. Eu como mutante que sou, mulher inconstante que ora ama o sol e dias claros, ora encanta-se com as tempestades e a escuridão de um céu sem lua, cá cultivo meus espinhos.

É que eu tenho a necessidade de ancorar, ainda que às vezes, porque tudo para mim é o apocalipse e fico cansada de mim mesma. A mansidão das praias são vitais para acolherem o meu barco, que invariavelmente navega por tempestades sanguíneas, de paixões e palavras engasgadas e ditas e não ditas e profundamente sentidas. Tudo é denso, tudo é profundo. Quero a leveza do nada. Às vezes, só às vezes.

É que eu tenho o desejo imenso de chorar até não mais poder, e soluçar e gritar e morrer neste dia. É só às vezes, só às vezes. Basta que me digam que tudo irá passar. Que não tentem consertar nada, não me tentem animar. É meu dia de luto. Só hoje, só hoje, eu não quero ter a obrigação de ser feliz. Não quero sorrir, antes desejo afogar nas minhas lágrimas o meu desespero até que eu suma. E dormir ali, enroscada. 

Diz-me só que tudo irá passar. Ou deixa-me no meio do espinheiro.

Verónica Vidal